O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

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15 março, 2009

Portugal em Derrapagem

O termo “derrapagem” é um lugar-comum em Portugal. Não fossemos nós peritos em equilibrismos e teríamos seguramente tombado de tal forma que só após um longo período de convalescença nos conseguiríamos erguer. Os últimos anos em Portugal têm sido anos de derrapagem na educação, na cidadania, no sistema económico e equilíbrio financeiro do país, na corrupção, ou na integridade da política. Dá a ideia de que andamos sempre de sapatos de verniz numa pista de gelo... As derrapagens lá aparecem, mais do que seria desejável, mas não tantas vezes quanto necessário para nos fazerem sentir o gelo na face.

As derrapagens surgem em diferentes formas e conteúdos. Umas são meras “escorregadelas”, discretas, mas que pela sua regularidade acabam por ter efeitos perversos a longo-prazo; outras têm um efeito visível, surgem isoladas e arrebatadoras. A mais recente foi a derrapagem de 100 milhões de euros nas obras realizadas no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto. A auditoria realizada pelo Tribunal de Contas revelou um custo 1/3 superior ao orçamentado e 4 anos de atraso face ao inicialmente definido. Porquê? A maioria dos encargos adveio de “trabalhos a mais e a menos, erros e omissões”. Esta justificação soa a música repetida e repetitiva, se nos lembrarmos, por exemplo, do disparate que foi a obra da Casa da Música.

Dir-se-ia que é natural existirem “desvios” na realização de qualquer obra, já que aquilo que foi idealizado nem sempre é viável e os pressupostos que inicialmente foram tidos em consideração nem sempre são realísticos. Estes factos poderão dar lugar a desvios orçamentais, que não fazem sentido serem suportados pelas construtoras. De acordo. O ponto crucial, no entanto, é que os tais “desvios” resultam sempre em “derrapagens” colossais a cargo do Estado, sempre no mesmo sentido: custo adicional. Ora, isto não faz sentido, nem é concebível num país em que muitas necessidades continuam ainda por satisfazer: um Estado pagador, maior qualidade de ensino, cuidados de saúde, apoio social e empresarial, entre muitos outros.

Num artigo escrito no Diário de Notícias, Mário Soares alertou para o facto de estar criado um clima de desconfiança e revolta, “com as desigualdades sociais sempre a crescer”. Ao tomarmos conhecimento de mais uma derrapagem e sabendo da grande preocupação social de Mário Soares, não podemos deixar de relembrar a sua célebre frase na Casa da Música: “Mas qual é o problema da derrapagem? O que interessa é que temos aqui uma coisa muito bonita. A derrapagem não interessa; o que interessa são as ideias.” É esta preocupação social que tem reinado na política portuguesa, desde o nível local ao nacional: o que realmente interessa é a ideia, ainda que o mais certo seja que resulta numa derrapagem... Enfim, que ao menos nos reste uma coisa muito bonita...

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01 março, 2009

Cultura “Apaga Fogos” / “Lenhador”

A notícia divulgada de que o Ministério da Justiça (MJ) retirou 32 caixas Multibanco do interior de diversos Tribunais do país, para fazer face à crescente vaga de assaltos de que estes têm sido alvo nos últimos tempos, diz muito sobre a maneira portuguesa de “resolver” os problemas. Segundo o Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, José Conde Rodrigues, esta é uma medida para “melhorar a segurança” nos tribunais, “projecto” que representa um investimento global superior a 8 milhões de euros.

Em situações em que se impõe tomar uma medida com vista a resolver um problema há sempre quase a possibilidade de adoptar uma de três posturas: ou se mata o mal pela raiz, ou se vive com esse mal, ou se mata a raiz... Nós, curiosamente, temos uma forte queda para a segunda e/ou terceira atitude, como forma de ser e estar. Mas esta postura tem repercussões na nossa progressão económica e social; revela, acima de tudo, um lado deprimente da nossa forma de encarar a vida e as dificuldades que enfrentamos.

Com esta cultura temos condenado a progressão actual do nosso país e, mais grave ainda, de gerações futuras. A questão, por exemplo, de baixa produtividade dos portugueses é um sério exemplo. A hipotética empresa XPTO para vender o seu produto, igual a tantos outros no mercado (i.e., que não é exclusivo), pode pagar bons salários aos seus trabalhadores se estes tiverem uma produtividade elevada, ou então será forçada a pagar baixos salários para compensar a baixa produtividade. Resume-se tão-só a: “ninguém paga uma omelete sem ovos”. Como é repetidamente apontado, Portugal apresenta uma baixa produtividade face aos restantes países ocidentais, que nunca conseguimos ultrapassar. O que temos feito? Assobiado para o lado, ou pior ainda: as empresas baixam os salários. É uma forma de matar a raiz em vez do mal.

Este comportamento, porém, tem sérios impactos na nossa forma de ser e viver como sociedade. Origina um ar “derrotista”, um espírito de “fado”. É com pena que constatamos este facto, porque estamos certos que teríamos todos a ganhar se, em vez de andarmos constantemente a “apagar fogos”, ou a “cortar árvores” como forma de evitar um incêndio, tivéssemos um comportamento preventivo ou (devidamente) correctivo.

Naturalmente, não deixa de ser curioso como, por exemplo, o Estado português gasta dinheiro público tentando fazer crer que foram tomadas medidas sérias. Vejamos o caso das ATM’s: o reforço da segurança (a solução), que deveria ser suficiente para mitigar os assaltos às caixas Multibanco (o problema), é acompanhado da retirada dessas caixas (origem dos assaltos). Face ao raciocínio exposto, um miúdo de 5 anos facilmente perguntaria para que servem os 8 milhões de euros gastos. Eventualmente servirão alguém, menos o cidadão comum...

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15 fevereiro, 2009

Ano de Eleições

Se nos conseguirmos abstrair das recentes “suspeitas” que pairam no ar relativamente ao caso Freeport e analisarmos a política do Governo na reacção à “crise” sem qualquer preconceito ético, podemos observar vantagens e desvantagens para a sua reputação.
Em primeiro lugar, é óbvio que o Governo ao lidar com um país e uma população afectada por uma crise externa e global tem muito mais facilidade em desculpar-se das promessas não cumpridas. Recentemente, a JSD fez um cartaz onde se pergunta onde estão os 150 mil empregos que José Sócrates prometeu na última campanha eleitoral para as legislativas. O impacto deste tipo de ironia política, normal em democracia, é agora muito menor. No entanto, a verdade é que a crise apenas se faz sentir há uns meses e a promessa do Governo foi feita quase há quatro anos.
José Sócrates teve uma entrada no poder que revelou muita força, dada a maioria absoluta de que dispunha e o apoio popular que tinha naquele momento. Essa força traduziu-se em muito pouco e, ao longo do tempo, a situação foi piorando, dado que a juntar à falta de ideias práticas e resolução de problemas concretos e bem identificados, a sua ineficácia retirou-lhe muito do apoio popular. Isto reflectiu-se em grandes manifestações de vários grupos corporativos, onde, certamente, participaram muitos eleitores do PS nas últimas eleições.
Não podemos entrar nesta abstracção e avaliar 4 anos de trabalho por alguns meses de crise económica.
Por outro lado, é também importante que nas outras duas eleições em que participaremos este ano não se tomem decisões com base n actuação do Governo, como é típico em Portugal.
Na nossa opinião, pelo que o Governo fez nesta legislatura, não merece confiança para lhe darmos uma segunda oportunidade. Neste momento as oportunidades de mudar são poucas e há que tentar aproveitar todas. É necessária uma mudança construtiva de políticas em Portugal. Como costumamos dizer, é necessário pensar a longo-prazo, apresentando projectos complexos que nos garantam prosperidade no futuro, independentemente de sermos obrigados a atravessar um ano ou dois mais complicados. Para o curto-prazo terão que ser usadas medidas específicas, que não têm que impedir que se pense no futuro.
Há que encontrar opções credíveis na oposição, o que não parece existir neste momento. Seria triste se o maior partido da oposição concorresse às eleições de 2009 a pensar já na derrota e à espera de 2013 para fazer a renovação política. Seriam quatro anos deitados ao lixo por mero interesse político.

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15 janeiro, 2009

Transformar a Grande Crise num Futuro Melhor

Tem-se falado exaustivamente sobre o facto de 2009 vir a ser o ano da “grande crise”. Ainda maior do que aquela que os portugueses já sofrem desde 2001, quando Guterres fugiu pela “porta do Cavalo” e deixou o país de “tanga”, a ser sucessivamente Governado também de forma errada, sem que se pensasse no futuro e prometendo-se impossíveis sem qualquer base de sustentação.
Mas quer a crise seja em 2009 ou noutro ano, de duas, uma: ou o barco se afunda completamente e vamos para a pesca como os Islandeses, ou vamos percorrer um longo e doloroso caminho de jangada, à chuva e ao vento. Depois de sofrermos uma destas duas hipóteses há a oportunidade lógica e óbvia de se passar a fazer as coisas bem e de construir um país (ou uma Europa, se for o caso) com cabeça, tronco e membros. Porque é que quase nunca os eleitores pensam no país como a maioria das pessoas pensa nos seus filhos: no futuro. Os pais passam meia vida, no mínimo, a educar um filho para que ele viva bem quando atingir a idade adulta. O país (onde moramos nós e os nossos filhos…) é gerido a curto-prazo apenas para o prazer de quem Governa. No fundo, os eleitores contratam babysitters quando já sabem que elas vão transformar a vida do seu filho num caos. É claro que ninguém valorizara tanto o país como um filho, mas a analogia aqui feita serve para mostrar como somos brandos com o nosso próprio futuro, só porque ele não está directamente nas nossas mãos (vota-se num papel e já está, não se pensa muito mais nisso). Só quando a crise aparece é que nos queixamos e começamos a ver os frutos que colhemos das decisões que tomamos há uns anos. Mas acalme-se o leitor porque a culpa também recai sobre a babysitter, que é incompetente mas sabe vender bem o seu fraco produto, anunciando-o sempre como se fosse milagroso… Culpas ali ou acolá não resolvem problemas, todavia podem evitar que se cometam os mesmos erros no futuro.
Para começar já a preparar esse futuro não é inteligente aceitar que se façam obras como o TGV e o aeroporto de Lisboa, duas obras muito úteis num país que esteja bem economicamente, mas não quando as bases da economia se estão a desfazer. O desemprego que todos apregoam para 2009 será um drama social e um sofrimento enorme para cada uma das famílias que o encontrar, mas não significa apenas isso. O desemprego é o rosto visível de algo muito pior: a ruína das empresas. Porquê? Será só porque os accionistas ou os donos (gente malvada para muitos) vão perder dinheiro? Por um lado também, pois foram eles que fundaram/compraram as suas empresas. Mas sobretudo e mais do que tudo porque por cada empresa que fecha, um outro conjunto de empresas tende a falir (e as pessoas a sofrerem ainda mais). E isso é irrecuperável. A base de uma economia não são as grandes empresas. Essas representam o auge da economia e são aquelas que na maioria das vezes criam novas tecnologias, novas ideias e permitem que vivamos cada vez com mais conforto, desenvolvimento e mais conhecimento. As pequenas e médias empresas (PME’s), fruto da iniciativa de indivíduos com coragem e vontade de crescer à sua custa são as empregadoras da maioria das pessoas e o seu conjunto é uma fonte de riqueza enorme para a sociedade. Com as PME’s a crescerem, toda a economia as acompanha nesse sentido – a classe média predomina e vive bem.
É urgente apoiar quem quer inovar, criar empresas e emprego. A oportunidade de que falamos só será possível se começar por esta base. O papel do Governo não deve ser o de gastar o dinheiro que já não tem com investimentos que não fazem sentido (já nem nos querem emprestar dinheiro com a garantia do Estado… o Estado tem uma dívida pública abismal e não há riqueza a ser gerada que possa diminui-la…). O TGV vai ser pago com o dinheiro de quem? E vai andar sem passageiros? O aeroporto de Lisboa vai ficar às moscas? As empresas (e trabalhadores) que os construírem vão fazer o quê depois? A construção dura uns anos, mantém umas centenas de empregos, é concluída e depois ficamos todos a olhar para a obra feita com os bolsos vazios. O Governo, e isto já o dissemos várias vezes, deve investir na educação dos jovens e (de forma distinta) na dos adultos. A base da economia já não pode ser de mão-de-obra barata, por isso temos que passar a ser “caros” e a conseguir cobrar por isso, criando produtos únicos, inventando empregos novos, prestando serviços de alta qualidade; tudo à base de conhecimento: fruto desse investimento na educação. Mas entretanto, e já que vivemos num espaço único no mundo, a União Europeia, porque não arriscar mais um pouco e em caso de desemprego ou trabalho precário, aprender uma língua, viajar com a família para um dos país da União e encontrar um emprego melhor e uma escola melhor para os filhos? Em muitos casos isto será possível e é uma forma vantajosa de diminuir os efeitos da crise e de preparar esse futuro melhor. Muito há para ser dito sobre o que mudar no nosso país e na nossa Europa e transformar a tal grande crise num futuro melhor. Esperamos estar a contribuir um pouco para essa mudança, cada vez que abordamos este assunto.

Um Ano Novo Optimista

Na sua mensagem de Ano Novo, o Presidente da República (PR) manifestou apreensão relativamente aos elevados salários auferidos por “altos dirigentes de empresas”. Apesar de concordarmos em geral com as ideias transmitidas, discordamos deste “falso” alerta e das consequências que tem na consciência dos portugueses.

É inegável que para a maioria da população activa, ganhar 5, 10 ou 25 mil euros mensais é absurdo e injusto face ao salário médio de um português. No entanto, há duas formas de ler estes números. A primeira, onde se insere a referência do PR, é de “vistas curtas”, irremediavelmente populista e demagógica. Considera-se que por os “altos dirigentes” usufruírem de tais regalias financeiras, toda a população paga por isso e tem cada vez menos poder de compra. Os gestores ocupam uma minoria de lugares que exigem pessoas altamente competentes e experientes, sendo alvo de grandes ofertas salariais por parte dos accionistas das empresas privadas, ou do Governo, no caso de empresas públicas. Sabemos que o PR referiu: “sem pôr em causa o princípio da valorização do mérito e a necessidade de captar os melhores talentos (...)”. Mas é precisamente esse princípio que está a ser posto em causa.

A outra perspectiva leva-nos a abordar esta questão da seguinte forma: porque ganham em média os portugueses tão pouco? Porque temos cada vez menos poder de compra em relação aos nossos vizinhos europeus?

O objectivo nacional não pode ser o de reduzir meia dúzia de salários àqueles que tentam dar vida às empresas; sabemos que em muitas empresas a gestão não é competente, mas, abordando a questão a médio-longo prazo, só os competentes sobreviverão. O objectivo tem de ser, isso sim, o de aumentar os salários médios dos trabalhadores, criando uma ampla classe média com desafogo económico. Isso só é possível com políticas construtivas, que apostem no desenvolvimento das pessoas e na criação de empresas modernas e competitivas, orientadas para o mundo e não apenas para duas ou três cidades e um arquipélago. E aqui o Governo deve intervir, apoiando quem cria novas tecnologias, quem se internacionaliza, ou quem cria postos de trabalho sustentáveis e aposta no desenvolvimento de cada colaborador. Continuar a ter parcos resultados na Educação, formando pessoas pouco qualificadas, e apostar no preço e não na qualidade dos produtos só ajuda a agravar a situação.

Entendemos que uma mensagem de Ano Novo deveria suscitar optimismo, vontade de mudar, alargar os nossos horizontes, dar um impulso para crescermos como povo, lutarmos e evoluirmos, em vez de alimentar choques infundados entre classes, desgosto pela situação presente e perda de esperança no futuro.

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02 janeiro, 2009

A Cenoura e os Burros

O decreto-lei aprovado pelo Governo de José Sócrates que permite a adjudicação directa (i.e., sem concurso público) de obras até 5 milhões de euros pelas autarquias foi a forma encontrada para se legalizar a corrupção como prática ilegal. Este é, seguramente, um passo gravíssimo.

Os contornos obscuros que o poder autárquico mantém com eventuais empresas ou indivíduos locais é um tema recorrente no nosso país. Ora o Governo em vez de tomar medidas que desincentivem à prática da corrupção, gera um efeito perverso ao permitir que as empresas de construção civil (as principais visadas) fiquem totalmente dependentes da boa-vontade do poder autárquico, do estado de espírito do executivo camarário no dia da aprovação da obra, da “oferta” de luvas (atitude simpática em altura de frio), ou de qualquer outro critério que nunca ninguém saberá.

Apesar de o Governo se defender com a intenção de promover a rapidez dos processos, a verdade é que é impensável que essa rapidez se faça em sacrifício da concorrência, da transparência e de um melhor serviço público. Obviamente, não é difícil antever que esta lei piore as condições oferecidas aos munícipes, os quais acabarão por pagar uma factura mais cara. A falta de transparência levará a uma pior gestão de dinheiros públicos, uma vez que a necessidade de adjudicação de uma obra não se impõe à empresa que ofereceu melhores condições. Pelo menos ao munícipes em geral...

Sendo verdade que a política assenta em princípios de seriedade e rectidão, não é menos verdade afirmar que somos portugueses. E, atendendo à nossa curta história de democracia pós-25 de Abril, está-se mesmo a ver que esta lei está para as autarquias como a cenoura para os burros: só não lhe mete os dentes aquele que não lhe chegar.

É um triste retrocesso num caminho para uma sociedade livre, de progresso e crescimento. A corrupção é um claro entrave à progressão de um país e o Portugal local é a face disso mesmo.

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01 janeiro, 2009

Perspectivas para 2009

Chegados a mais um fim de ano, as atenções viram-se para o novo tempo que nos espera. Mais importante do que fazer um balanço será pensar no que o Pai Natal nos reserva para 2009. Repetidamente ouvimos dizer que será um ano duro; um ano pior do que 2008. Há alguns anos que somos abençoados com este fantasma que parece pairar sobre nós: será um ano difícil, os portugueses “terão de apertar o cinto”, é altura de contenção... No entanto, olhando para trás poderíamos cometer o erro de dizer que houve apenas alarmismo. Veja-se como o consumo se manteve em níveis elevados.

Importa mencionar é que o conseguimos à custa do endividamento das famílias. E que o país continua cada vez mais endividado ao exterior. Engane-se quem pense que o Governo, de um momento para o outro, abanou uma “árvore das patacas” até agora escondida, para presentear o mercado com ajudas financeiras. O que se pede emprestado para usufruir hoje, amanhã paga-se.

E este será, sem dúvida, o que o futuro nos reserva: o pagamento. Até aos dias de hoje temos usufruído do que pedimos emprestado para as mais banais coisas (desde a compra de automóvel de luxo, ao consumo supérfluo – sempre que acima das possibilidades de cada um). Quando ouvimos nas notícias que o endividamento das famílias é quase de 130% do valor do rendimento de global, é óbvio que isto só é possível se alguém emprestar a diferença entre os 100% e os 130%, mais aquilo que os bancos têm que ganhar em margem de lucro e pelo risco a que se sujeitam. Ora, este diferencial tem sido constante nos últimos anos e todos os dias os bancos compram dinheiro a outros mercados para o emprestarem às pessoas e às famílias. Agora que “não há” liquidez, ou seja, não há dinheiro disponível, só há números em activos e passivos que ninguém arrisca comprar, as famílias/empresas terão que pagar os seus empréstimos para que os bancos também o possam fazer. Isto significa que, ao mesmo tempo, a emissão de créditos fica mais difícil de obter por parte das empresas e das famílias. Conclusão: menos consumo e menos investimento, que resultam em menos produção de riqueza nacional. Resumidamente, 2009 reserva-nos o início do pesadelo: pagar o que nunca pudemos ter com aquilo que não temos.

Estaremos a ser novamente demasiado alarmistas? O Primeiro-Ministro lembrou recentemente que as famílias portuguesas vão ter um melhor rendimento disponível em 2009 devido às baixas conjugadas da taxa de juro, do preço dos combustíveis e do aumento anunciado dos salários. Esqueceu-se apenas de mencionar que isso só acontecerá para as famílias que não ficarem desempregadas.

As empresas portuguesas, sobretudo a dos sectores mais expostos à actual crise (salienta-se o automóvel, ou o têxtil) vão ser forçadas a reduzir a produção. Essa redução implicará, inevitavelmente, despedimentos – que terão impactos significativos nos rendimentos de muitas famílias. Esta situação tende a agravar-se, agora que as empresas começam a enfrentar sérias dificuldades para se aguentarem.

Estamos de acordo que é positivo transmitir esperança às pessoas; o problema é quando esse acto revela uma tentativa oculta de manipulação, porque o prometido acaba por não ter fundamento sólido. A possibilidade de Portugal entrar em recessão é agora real, ainda mais que o nosso pequeno país está dependente de um mundo globalizado (para o bem e para o mal). Dizer que a crise acabou, antes de ela sequer ter começado, foi um tiro no próprio pé deste Governo. O mais importante é que em 2009 se fale verdade, que se acabe com as politiquices a que já nos habituamos e que se crie uma consciência nacional da realidade que enfrentamos – seja de que maneira for, todos vamos ser afectados na negativa. Resta-nos evitar colapsos sociais de curto prazo e tentar aproveitar as oportunidades que surjam nesta altura, para que daqui a uns dois anos o motor da economia seja novo (e diferente) e estejamos a crescer novamente mas, desta vez, “a todo o gás”. Caso contrário continuaremos a cavar fundo na esperança de encontrar um tesouro que não existe, sem nos apercebermos que, simplesmente, estamos a cavar a nossa própria sepultura.

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15 dezembro, 2008

As “Clarisses” Desta Terra

O pequeno inconveniente de um jornal quinzenal é a diferença temporal entre o momento de escrita e a publicação. Vem isto a propósito da capa da última edição deste jornal, onde se dava conta da carta da Enfermeira Directora do Hospital Póvoa de Varzim, Clarisse Martins (CM). Apesar de pecar por tardio, não podemos deixar passar o facto sem umas notas.
Na análise do caso salientou-se quase sempre a atitude do Sr. Presidente de Câmara (PC), por ser a que respeita ao foro político. Sendo isso verdade, não podemos deixar de notar que há uma falácia no argumento. Em termos institucionais, é um direito de cada um de nós ter uma opinião política; em termos de cidadania, isto deveria ser um dever individual. Apesar de nos podermos queixar dos políticos que temos, somos nós que os elegemos. Dito de outra forma: somos os únicos responsáveis pelos políticos no activo.
Com isto queremos salientar que, se a atitude do Sr. PC foi de todo desprezável, a da Sra. CM foi mesmo deplorável. Perguntamo-nos como é possível que haja políticos que usem tais meios como armas de arremesso político. A resposta é óbvia: são todas as “Clarisses das suas terras” que sustentam tais manhosices. Pior do que o Sr. PC se ter dado ao desplante de fazer um suposto pedido de delação, é o facto de a Sra. CM ter mostrado uma atitude de total subserviência, revelando falta de respeito para com os colegas de trabalho e, de uma forma geral, para com os seus concidadãos.
A leitura da carta divulgada pelo “Terras do Ave” gerou desconforto e sensações de náusea. Primeiro: cada um de nós tem o direito e, como acima dissemos, o dever cívico de ter opiniões próprias. Poderão uns argumentar que nem sempre as opiniões são devidamente fundamentadas. Na política, isso seria o mesmo que afirmar que a maioria que elege os políticos nem sempre está certa… Assim, é inconcebível que a Sra. CM se preste a reafirmar, e passamos a citar, “(…) tudo o que partilhei em reunião de trabalho com o Sr. Presidente relativamente às considerações que a Enfermeira Marisa Postiga teceu (…)”. Independentemente do que a Sra. deputada municipal tivesse dito, é difícil perceber como isso possa ser motivo de discussão em reunião de trabalho e, pior, de reprodução por escrito. Mas a Sra. CM foi mais longe, afirmando ser “(…) incompreensível que alguém assuma posições tão radicalmente diferentes e até antagónicas, pois é a credibilidade dessa pessoa que fica em questão”. Provavelmente, o problema da Sra. CM é a deputada Marisa Postiga ter “posição” sobre o que quer que seja. Por outro, gostaríamos de perceber porque razão a Sra. CM acha que tem poder e capacidade para avaliar a credibilidade da Dr. Marisa Postiga e, além disso, porque entende que o Sr. PC tem alguma coisa a ver com a questão.
Atitudes como estas são de lamentar e fazem-nos perceber por que razão, em algumas matérias, continuamos condicionados a uma mediocridade mórbida. O mínimo que se esperaria de uma pessoa com credibilidade seria um pedido de desculpas público. Enfim…

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01 dezembro, 2008

Uso e Abuso da Democracia

Manuela Ferreira Leite não tem conseguido fazer passar a sua mensagem, dirão alguns. Outros, porém, irão mais longe ao dizer que ela não tem mensagem para passar. Havendo, porventura, um pouco de verdade nas duas afirmações, é certo que a líder do PSD tem deixado muito a desejar. Nós, que não a vemos como o rosto de uma liderança futura de Portugal, pela postura que tem e pela imagem que lhe está associada (sobretudo, do tempo como Ministra das Finanças de Durão Barroso), não podemos deixar de notar que o seu silêncio em algumas matérias de importância nacional tem sido constrangedor, como se lhe passassem ao lado.

José António Saraiva escreveu que António Guterres lhe havia dito certa vez que a melhor coisa que tinha a fazer para ganhar as eleições para primeiro-ministro seria manter-se calado, já que Mário Soares fazia oposição ao PSD de Cavaco Silva. Sendo este um triste facto passado, seria um erro se pensar que Manuela Ferreira Leite sairia vencedora nas próximas eleições caso Cavaco Silva decidisse seguir a velha máxima de fazer aos outros aquilo que lhe fizeram a ele.

E se o seu silêncio não tem sido oportuno, o mesmo podemos dizer da sua última intervenção, quando afirmou que em democracia não se podem fazer reformas sem todos estarem em concordância. Verdade de La Palisse. Depois, em jeito de ironia, acrescentou o que muitos portugueses pensam todos os dias: que se deveria suspender a democracia durante seis meses. Atendendo à realidade, o grande problema parece ter sido só um: o de o ter dito expressamente.

Vejamos o caso de José Sócrates: autoritário, por vezes a roçar o prepotente, discursa sobre os mais variados temas como se passasse um atestado de menoridade aos portugueses. Para este, a democracia é como a bandeira de Portugal para os fãs de futebol: só se lembra dela na altura do mediatismo. Na verdade, José Sócrates dobra e desdobra a democracia quando lhe convém. Mas nunca o disse publicamente. Ministra Maria de Lurdes Rodrigues, na ordem do dia, é outro exemplo: fez-se inúmeras vezes surda às vozes que apontam ineficiências às reforças que tem tentado levar a cabo no ensino, que aproveitou uns minutos de televisão para afirmar que se reuniria com as partes intervenientes com uma só intenção: “ouvir”.

O sentimento é de puro “faz de conta”. A liberdade que a Democracia acarreta leva a que, por vezes, se cometam excessos. Muitas reformas caem por terra por desentendimentos, muitos projectos não avançam por discórdia das partes. Mas o problema não está na existência de uma Democracia; está sim no uso, e no abuso, que todos e cada um de nós lhe pode dar.

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15 novembro, 2008

Justiça Financeira

Esta última semana foi marcada por dois acontecimentos históricos. Um de cariz internacional, a eleição de Barack Obama para Presidente dos Estados Unidos da América, que, inegavelmente, nos dá uma mensagem clara de como é possível fazer as pessoas acreditar na mudança para uma atitude positiva (“Yes we can”) e de um progresso social que pensávamos já não existir. De cariz nacional, o caso BPN, que tende a acentuar a imagem negativa que as pessoas possam ter das instituições financeiras e dos gestores em geral.

É este último tema que nos ocupará esta quinzena. A história é já conhecida de todos, pelo que o mais importante agora é que duas coisas aconteçam: primeiro, que as devidas consequências tenham lugar; segundo, que as devidas ilações sejam retiradas.

Um banco como o BPN, cuja gestão aparentemente danosa levou o mesmo à falência, colocando em causa o dinheiro dos seus depositantes, só poderá terminar com os seus responsáveis a serem devidamente punidos. Com isto, queremos dizer, obviamente, “cadeia” (nos casos em que isso se aplique). A punição tem que ser exemplar, sendo impossível imaginar que tudo fique “em águas de bacalhau”. Se pensarmos nos EUA, onde ocorrem alguns dos casos mais mirabolantes de imaginação financeira, não poderemos deixar de realçar que é nesse mesmo país que a justiça é sempre feita. Quando a Enron (cuja falência foi acompanhada por uma ginástica financeira semelhante à do BPN) faliu, os responsáveis foram condenados, tendo o CEO da empresa sido sentenciado a cerca de 24 anos de cadeia. Como seria em Portugal? Ou talvez seja melhor perguntar: como será em Portugal? Esperaremos para ver, embora o historial da nossa Justiça a tenha desacreditado de tal forma que todos levantamos dúvidas quanto ao desfecho do caso. Coisa que, aliás, não pode acontecer.

A Justiça é um dos principais pilares de uma sociedade. Da mesma forma que é impossível viver sem regras, é impossível viver numa sociedade em que aqueles que não as cumprem não sejam devidamente punidos. Nesse sentido, a actividade económica e financeira está debaixo do mesmo princípio fundamental. E porque está provado que o mercado precisa de uma trela, é importante tirar ilações ao nível da supervisão. O que falhou, ou quem falhou? Para além do Banco de Portugal, cuja inactividade começa a tornar-se exasperante, outros intervenientes deverão ser ouvidos. Todos os esforços deverão ser feitos para prevenir, detectar e, sobretudo, desincentivar que este tipo de fraudes aconteça no futuro. A prevenção começa na gestão; a supervisão nas entidades responsáveis; o desincentivo na Justiça. Só com estes três pilares devidamente construídos, se pode aspirar a um sistema económico melhor, realista e de confiança.

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01 novembro, 2008

Mais vale prevenir do que remediar

A Europa tem sido ao longo da História o palco das maiores guerras, que estão sempre associadas, paradoxalmente, ao maior desenvolvimento dos países. Após o fim da segunda guerra mundial, a Europa passou a ter um papel passivo em relação à questão militar. A criação da NATO garantiu a segurança dos europeus durante a guerra fria e as políticas de cada país europeu e da UE/CEE (desde a sua criação) centraram-se na economia e no desenvolvimento científico e da sociedade civil. A verdade é que a natureza do ser Humano é tendencialmente “má” para com os da sua própria espécie. A evolução da sociedade permitiu uma convivência cada vez mais pacífica entre os humanos, mas é inevitável que haja sempre quem deseje guerra, poder abusivo, destruição e domínio de outros povos. Assim, não faz sentido que uma determinada sociedade se esqueça da sua própria defesa, mesmo que dado o seu grau de desenvolvimento, esta considere que não faz sentido entrar em guerra com outros povos. A questão é que os outros povos podem, de um dia para o outro, decidir entrar em guerra com essa sociedade e nesse momento só quem está preparado se pode defender. O poderio militar não funciona apenas para atacar ou defender, serve para prevenir e afugentar aqueles que poderão desejar atacar determinado povo. Os europeus têm neste momento uma grande aversão à guerra (o que é um excelente sinal da sua evolução enquanto sociedade). As suas preocupações estão num patamar “mais elevado”. No entanto, como referimos, é necessário prevenir e é necessário que esta sociedade desenvolvida possa influenciar a evolução do mundo e, de certa forma, contagiar este grau de desenvolvimento e perspectiva sobre a vida. Não podemos pensar que somos o povo mais evoluído (isso não pode ser comparado e seria presunçoso e até de mau gosto, fazê-lo), temos sim que levar ao resto do mundo aquilo que temos de bom em termos de organização da sociedade e relações entre povos. Ora, para que isso possa acontecer e por muito que nos possa custar, temos que estar tão bem ou melhor preparados militarmente que os outros povos (ou conjuntos de países que possam representar qualquer tipo de ameaça). A nossa aliança com os EUA por motivos culturais e históricos faz todo o sentido, mas a nossa dependência militar não faz. Temos que evoluir autonomamente, dado que temos toda a capacidade humana para o fazer. Com esse desenvolvimento militar, poderemos afirmar ainda com maior convicção as nossas posições nos problemas do mundo e levar uma cultura de paz e desenvolvimento a outras regiões com mais dificuldades ou com políticos com objectivos contrários aos nossos. Pode parecer estranho dizer-se que é necessário ter poder militar para proclamar a ideia da paz e do desenvolvimento humano, mas se pensarmos bem é inevitável que assim seja. De outra forma não seremos respeitados pelas outras potências e em caso de guerra provocada por outros, nada poderemos fazer para preservar a nossa forma de viver (que muitas vezes não valorizamos).

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15 setembro, 2008

O que é feito “daquele” PSD?

A política portuguesa dos últimos 10 anos tem sido flagrantemente pobre em ideias e objectivos e os maiores partidos parecem cortar pela raiz a hipótese do aparecimento de líderes novos com pontos de vista modernos e actualizados, e com projectos com cabeça, troco e membros que funcionem a longo-prazo. Esta última legislatura é o exemplo mais óbvio disso mesmo. A oposição não consegue encontrar um líder à altura (que não é muita) de José Sócrates e tende a procurar esse líder na “velha guarda”, desprezando quem tenta aparecer pela primeira vez. Para quem tem entre 20 e 30 anos de idade, ver estas pessoas repetitivamente já começa a dar alguns “enjoos”, o que resulta numa desacreditação e num afastamento generalizado da discussão política.

O recente e muito esperado discurso (apenas por ter demorado tanto tempo a acontecer) de Manuela Ferreira Leite na “Universidade de Verão” foi uma desilusão completa e o culminar desta falta de ideias. Note-se que com isto estamos a criticar um partido que se enquadra um pouco na nossa ideologia política, mas não estamos, com toda a certeza, a defender o PS – o nível é baixo em todos os partidos.

O que Ferreira Leite argumentou na sua palestra não passou de (i) críticas ao modo como o Governo lida (e controla) a comunicação social, algo que não parece ser relevante dado que ela própria foi o centro das atenções nesse fim-de-semana (sem fruto algum); (ii) dizer que o Governo só faz “espectáculo” – quem está no poder tem tendência a fazer espectáculo e isso não é relevante desde que faça o seu trabalho com competência; (iii) falar no sentimento de insegurança e na impunidade dos criminosos – não ouvimos soluções para este problema…; (iv) os resultados da governação são medíocres – é verdade, mas as propostas que Manuela Ferreira Leite apresenta ainda são piores, dado que não existem ou são cópias do que já foi proposto no passado e não funcionou.

Não existe uma solução mágica para os problemas que o país e a Europa passam, no entanto, só com pessoas de qualidade se pode evoluir politicamente dentro de cada país e depois na Europa como um todo. O Governo tem falhado em muitas áreas mas tem um trunfo para continuar a falhar com toda a legitimidade em 2009: não há adversários à altura. As pessoas estão desanimadas e os partidos podiam aproveitar essa situação para lançarem ideias ambiciosas e gerarem um movimento de mudança na sociedade. Não é isso que acontece no PSD nem no PS (que já não é um partido “socialista”). Apenas a extrema-esquerda aproveita estas fragilidades, com a sua hipocrisia e soluções milagrosas que parecem vir dos céus – parecem ser os “iluminados”. Só em países pouco desenvolvidos se assiste a isto. O PSD tem que ser mais inteligente e “atacar” onde existem mais fragilidades, sem deixar escapar o seu maior leque de eleitores: os empresários, sejam grandes, médios ou pequenos e os trabalhadores que os acompanham, e todos aqueles que acreditam que a evolução da sociedade vem do trabalho e desenvolvimento individual de cada um de nós à sua própria maneira.

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01 setembro, 2008

Fazer as Contas. Sem Erros.

O mês de Setembro talvez seja, para a grande maioria dos portugueses, um mês de fazer contas. As promoções e os saldos, as férias e os gastos adicionais que o verão acarreta levam-nos, inevitavelmente, a fazer contas à vida por esta altura. Atendendo aos números divulgados pelo INE e pelo BdP, há ainda a somar as prestações dos mais variados empréstimos: habitação, automóvel, férias ou consumo.

Não obstante, a realidade empírica parece um pouco contraditória: numa altura em que o índice de confiança dos consumidores está no valor mais baixo de há 22 anos (cifrando-se nos -47,2 p.), os portugueses mantêm um ritmo de consumo significativo, muito dele baseado no crédito. O parque automóvel português é um bom exemplo de como a expressão “Crise? Qual crise?” faz todo o sentido. Segundo a ACAP, as vendas dos automóveis de luxo cresceram 63,4% em 2006, enquanto que os veículos do segmento económico registaram 51,6% de aumento. Tal evolução positiva foi sustentada pelas marcas Mercedes, Jaguar, Austin Martin e BMW. De qualquer forma, um olhar mais atento aos automóveis que circulam nas nossas estradas permite confirmar tal facto. É verdade que muitos automóveis, sobretudo das marcas BMW, Mercedes e Audi, são importados, mas é notória a quantidade de automóveis com preço acima de 40.000 euros. Em acréscimo, a conjuntura económica não ajuda: fraco crescimento do PIB, elevado desemprego, forte inflação, preço do petróleo superior a anos anteriores – o que levará a que as famílias portuguesas percam novamente poder de compra.

Nada disto pareceria estranho se vivêssemos noutro país que não Portugal. Por isso, tudo leva a crer que vivemos acima das nossas possibilidades: o salário médio ronda os 1.069 euros e o aumento médio do salário ajustado pela inflação foi de 0,2% em 2007 (aumento positivo mais baixo dos países da UE). Ademais, o nível de endividamento, que actualmente se regista nos particulares, ronda os 129%. Tal reflecte-se no crédito malparado, o qual atingiu o nível mais alto de sempre, tendo crescido 11% no total do valor das cobranças duvidosas registadas pelos bancos. A Deco afirmou que mais de metade das famílias que não conseguem pagar os seus empréstimos tinham entre 3 a 10 empréstimos.

Como facilmente se compreende, a situação não é sustentável a longo prazo. Não é qualquer pecado ter uma casa confortável, um bom carro e passar férias num sítio paradisíaco. Não é pecado e é até algo positivo. O que não parece razoável é possuir tudo isso sem que, efectivamente, se os possa possuir. O facto de pertencermos à União Monetária Europeia abriu oportunidades a Portugal e permitiu-nos ter taxas de juros a níveis historicamente baixos. Isso, seguramente, conduziu-nos a um facilitismo na obtenção de crédito que nos levou hoje para além das nossas possibilidades.

A melhor solução é fazer as contas. Antes de, por exemplo, realizar um empréstimo para as férias nas Caraíbas a pagar em 4 anos, fazer o cálculo das prestações permitirá perceber que acabará por pagar mais do dobro. Coisas simples que resolvam problemas tendencialmente complicados. “É só fazer as contas”, diria António Guterres, esquecendo-se de acrescentar: “mas sem erros”.

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01 agosto, 2008

Harmonização do Concelho de Vila do Conde (II)

No último artigo introduzimos o tema da harmonização entre as freguesias do concelho de Vila do Conde, tendo abordado aspectos que poderiam ser explorados e melhorados na costa marítima do mesmo. Desta vez iremo-nos focar brevemente na área verde de Vila do Conde. É sabido que o nosso concelho tem uma vastíssima área de floresta/campos agrícolas/baldios/mata.

Mas a verdade é que não existe uma organização eficaz das tipologias de terreno atribuídas a esta imensa área. Transforma-se área agrícola em área de construção com critérios por vezes duvidosos e, fundamentalmente, sem um plano definido para o longo-prazo com cabeça, tronco e membros.

O Plano Director Municipal (PDM) parace ser feito ao sabor do vento que corre num determinado momento. Deveriam ser criadas áreas para comércio e construção estratégicamente definidas para cativar investimento e não apenas esperar que ele apraeça e, apenas nesse momento, mudar por qualquer meio possível o que for necessário, sem tempo e capacidade para decidir correctamente o local ideal para o mesmo: cedendo ao investidor.

Poder-se-ia argumentar que é melhor assim do que perder o investimento; e isso é verdade. O problema é que há uma cultura de “remendar” o que está mal planeado. O concelho tem óptimas condições rodoviários (falamos sobretudo nas auto-estradas…), pelo que pode explorar as áreas mais próximas das principais artérias para criar pólos de desenvolvimento industrial, comercial e residencial. O primeiro passo é um eficaz ordenamento do território. Se a câmara definir com inteligência os locais de construção e industrialização terá muito maiores hipóteses de negociar a vinda de empresas para o concelho. A vinda de empresas capta pessoas e vice-versa.

Melhorando o acessso rodoviário intra-freguesias, seria possível cativar população para habitar sossegadamente e relativamente perto da costa e das cidades mais próximas nas freguesias a Este de Vila do Conde (sem dúvida, as menos desenvolvidas e votadas ao desinteresse político por parte da autarquia). No que toca ao ordenamento do território, há sempre que pensar no mesmo como um método de desenvolver em harmonia toda a área disponível, adaptando as decisões às diferentes características das freguesias (ou de conjuntos de freguesias muito similares). Não queremos deixar de referir que a cooperação entre agricultores poderia ter muito mais dimensão e capacidade de criação de indústrias agrícolas com capacidade para exportar. Para isto acontecer não basta a vontade dos agricultores; são necessárias áreas enormes e a câmara poderia tentar concretizar uma idea ambiciosa: organizar os agricultores para permuta de terrernos (baseando-se no seu valor de mercado) facilitando a aproximação dos mesmos e a criação de sociedades agrícolas. Trocar um pequeno terreno em Mindelo (com grande valor) por um grande terrerno em Macieira da Maia (com o mesmo valor), por exemplo, poderia gerar muito maiores benefícios futuros para os agricultores. Imagine-se isto a acontecer em áreas adjacentes e com cooperação entre os agricultores que participassem: a eficiência atingida seria exponencialmente superior à verificada agora. Para isto acontecer é necessário vontade de todas as partes, como é óbvio, mas é de ideias ambiciosas que se parte para realidades de sucesso.

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15 julho, 2008

A Harmonização do Concelho de Vila do Conde (I)

Nesta quinzena queremos iniciar a discussão de um tema que consideramos ser relevante para todos nós: a harmonização de políticas para (todo) o concelho de Vila do Conde. Olhando para o panorama actual, Vila do Conde tem uma área muito vasta, rica em potenciais recursos económicos, mas parcialmente desorganizada e desaproveitada. Muito sumariamente, vamos abordar três de vários sub-temas possíveis em três artigos diferentes: a costa, a área verde e a organização entre freguesias.

A costa do concelho vai desde a freguesia de Vila do Conde até à freguesia de Labruge. São quilómetros de excelentes areais que poderiam transformar-se em excelentes praias que atraíssem turistas durante o verão. Neste sentido é primordial desenvolver uma estratégia comum para o concelho que, em poucos anos, crie uma marca “praia de Vila do Conde” que fosse consistente de Labruge à cidade, garantisse parqueamento adequado, que fosse evoluindo à medida das necessidades. Isto implicaria, no mínimo, bandeiras azuis de norte a sul do concelho. O turismo de praia atrai público de todos os tipos, mas quanto maior for a qualidade das praias e infra-estruturas contíguas, maior será o número de turistas com elevada capacidade económica. Isto levará a investimento imobiliário por parte dos mesmos e fomentará a abertura e expansão do comércio em todo o concelho.

Não podemos também deixar de falar do mar e das suas potencialidades. A câmara pode fazer mais em relação à pesca, contribuindo para a organização dos pequenos pescadores em frotas maiores, com embarcações adaptadas às novas exigências (ex.: motores mais eficientes), incentivando também a criação de empresas com dimensão e capacidade competitiva e criando melhores condições nas lotas. Nem tudo é política nacional, o poder local pode fazer muito mais do que faz e tem até mecanismos fiscais que pode usar.

Vila do Conde deve estar na linha da frente dos investimentos em energia marítima, como é exemplo a energia das ondas. No futuro irão inevitavelmente surgir muitas oportunidades nesta área e impõe-se promover o estudo científico do mar, criando oportunidades de emprego nesta área de conhecimento. Para desenvolver o concelho, a Câmara deverá estar atenta a tais oportunidades. Não pode apenas “sentar-se” à espera que o investimento venha cá parar. Tem que procurar e mostrar aos possíveis investidores que está à procura.

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01 julho, 2008

Educação Contraditória?

Os resultados das provas de aferição aos alunos dos 4º e 6º anos de escolaridade foram recentemente divulgados pelo Ministério da Educação (ME): 18,3% dos alunos teve “Não Satisfaz”, enquanto que no ano passado 41% chumbaram na prova. Ou seja, as negativas caíram para menos de metade. Apenas 1,8% obteve a nota mais baixa (nível E), face aos 6,6% de 2007. Esta evolução parece fabulosa. Num país onde se diz que a Matemática, por exemplo, é um “quebra cabeças”, saber que 90% dos alunos do 4º ano e 85% dos alunos do 6º ano tiveram nota positiva parece algo contraditório. Apetece até perguntar se estamos mesmo em Portugal.

Um olhar mais crítico leva-nos ainda a perguntar: porquê esta melhoria de resultados nos 4º e 6º anos de escolaridade? Uma primeira hipótese, muito pouco convincente, será dizer que os alunos nascidos em 1997 e 1999 são melhores alunos do que os nascidos em 1996 e 1998. Uma segunda, à qual o Governo recorreu, baseia-se na afirmação de que foi o esforço do ME ao longo destes últimos 2/3 anos que permitiu atingir estas melhorias. Que fosse possível atingir melhorias, julgo que estamos de acordo. Mas menos de metade de negativas de um ano para o outro? Média de 90% de positivas? A última hipótese é dizer que os exames terão sido menos exigentes, por forma a que os alunos tivessem melhores notas. O próprio Presidente da Associação de Matemática, Nuno Crato, afirmou temer um “facilitismo progressivo” ao nível dos critérios dos exames. De facto, das três alternativas, esta parece ser a mais convincente para explicar esta súbita melhoria de resultados: menos exigência no conteúdo, um maior facilitismo nas questões colocadas e maiores proveitos políticos para o Governo.

De qualquer forma, Portugal não sobreviverá hoje como uma ilha isolada, considerando a sua integração num mundo globalizado. Assim, parece-nos que pouco interessam os nossos resultados internos, se não tivermos em consideração os dos outros países. O inquérito PISA (referência ao de 2006), que consiste em exames realizados a alunos dos países da OCDE com incidência nas áreas de literacia cientifica, literatura e matemática, revelou como Portugal está atrás dos demais países. Na literacia científica, para a média de 500 da OCDE, Portugal possuía 474 pontos, tendo evoluído de 28º para 27º em 30 países de 2003 para 2006. Na literatura, obteve uma média de 472 contra os 500 pontos da OCDE e evoluiu de 27º em 2003 para 24º em 2006. Na matemática, a média é de apenas 466 pontos, abaixo da OCDE, e tanto em 2003 como em 2006 Portugal ocupava o 26º lugar em 30 países.

São resultados que mostram uma realidade relativa muito mais importante que a absoluta revelada pelas provas de aferição. Além disso, os exames PISA são puramente independentes e iguais em todos os países. Provavelmente, o ME diria que “hoje” os resultados PISA em Portugal iriam melhorar 50%, se fossem realizados com estes alunos... Entendemos que em vez de continuar iludir as pessoas, é papel do Governo procurar resolver problemas estruturais da educação, em vez de passar a ideia de que tudo está bem quando isso não corresponde à realidade. Todos sabemos que, cegamente conduzidos ao abismo, um passo em frente não nos faz subir, mas sim cair de vez.

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15 junho, 2008

Desafios Actuais e Fundamentais

A recente eleição de Manuela Ferreira Leite para Presidente do PSD deixa-nos algo apreensivos quanto ao futuro de Portugal. Importa salientar que essa eleição parece excluir a alteração essencial ao nosso país dos paradigmas económico-sociais dos próximos anos. Os eventuais problemas irão, numa primeira fase (já iniciada), causar dramas sociais que só serão resolvidos com uma adaptação a um novo tipo de consumo energético que afectará a maneira como vivemos o dia-a-dia. Estamos, no entanto, optimistas quanto à resolução desses problemas a nível mundial que, como já aqui dissemos, é apenas uma questão de tempo.
A função do PSD (e dos restantes partidos) é a construção de uma estrutura de sociedade que seja capaz de aguentar, com sucesso, a pressão dos próximos anos e conseguir que essa estrutura tenha um potencial enorme para crescer nos anos que se seguirão. Teremos que aproveitar a mudança de ciclo económico-social para estarmos à frente no crescimento futuro. Isso nunca foi feito em Portugal, e aqui inclui-se a Primeira República, o Estado Novo de Salazar e o regime democrático pós-25 de Abril de 1974. Em todas estas oportunidades de adaptação a novos paradigmas, Portugal nunca se adaptou convenientemente, o que gerou rupturas sociais de longo-prazo. Neste último ciclo que estamos a viver perdemos a oportunidade de entrar na era do conhecimento com as nossas pessoas bem preparadas para esse dasafio. Não se apostou na educação e na formação de qualidade desde os 3 até aos 80 anos, a pensar em profissões de alta exigência de conhecimento. É verdade que o país evoluiu muito, mas foi uma evolução sem a construção dos pilares mais fortes: as pessoas que iriam manter a máquina a trabalhar. A culpa é de todos os Governos que foram eleitos por nós próprios. Não sabemos se será justo culpar o eleitor, mas este tem uma quota parte de responsabilidade. Mas a verdade é que os políticos tiveram várias hipóteses para seguir outro caminho e não o fizerem: ficaram pelo mais fácil.
E Manuela Ferreira Leite? Ela representa dentro do PSD esse passado de políticas “mais ou menos” certas, “mais ou menos” capazes de desenvolver o país, no fundo “mais ou menos” manter Portugal “a andar”, mas sem visão futura. Pior ainda com o PS que, quase sempre que governou, lá foi estragando o “mais ou menos” que estava feito. Partidos à parte, os métodos usados no passado não foram capazes de nos desenvolver no verdadeiro sentido da palavra. Vivemos melhor do que há 30 anos, mas é uma realidade insustentável: a nossa economia vive maioritariamente de indústrias sem futuro e serviços básicos, e existem elevadas carências sociais por resolver.
Não temos a certeza se Pedro Passos Coelho iria conseguir contribuir para melhorar a situação actual do país, mas entre todos os candidatos do PSD e apesar de se lhe exigir maior consistente nas ideias, parecia ser aquele que mais ciente estava de que o mundo mudou e os portugueses não. Estamos, com alguma preocupação, a assistir a uma viragem à esquerda do eleitorado por uma razão muito simples: os senhores desses partidos só têm coisas boas para oferecer, que se resumem a algo muito simples: “nós vamos ajudar quem está pior, prejudicando quem está melhor”. Como? Não dizem. Mas diz-nos a experiência do passado: fazem-no à força. Como resultado, ficamos todos pobres e ignorantes, mas contentes porque o vizinho não está melhor do que nós.
No mínimo há uma coisa que o PSD e o PS têm que fazer: abrir os olhos de quem se está a aproximar dos partidos que defendem essas políticas não realizáveis e fáceis de incutir a quem está em dificuldades. As sondagens recentes são preocupantes. Passando esse mínimo, há que encontrar líderes conscientes e com ideias concisas e estruturantes para o futuro. Ainda não foi desta…

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01 junho, 2008

Dinheiro para Marte ou para a Terra?

Num momento em que se fala em crise económica e social por todo o mundo (incluindo o desenvolvido), motivada pelos preços da energia que mantém a sociedade em “funcionamento”, ou pela escassez de alimentos, resultante do crescimento dos países em desenvolvimento (em particular, China e a Índia), e do seu uso para fins energéticos (biocombustíveis), pode parecer estranho querer-se aterrar naves em Marte.

Os dados conhecidos são: no dia 24 de Maio de 2008, uma pequena nave espacial sem tripulação aterrou no planeta vermelho, depois de ter feito uma viagem de cerca de 680 milhões de quilómetros em 9 meses: na hora certa, abriu o pára-quedas, ligou os pequenos reactores para a desaceleração e após uma viagem percorrida a 120.000 km/h, aterrou “calmamente” a cerca de 5 km/h, sem qualquer dano. Usou a pouca bateria que tinha para abrir dois “braços” com paineis solares que lhe fornecerão a energia para o futuro e logo a seguir enviou as primeiras fotos do solo em seu redor.

Este espectacular feito Humano surge da vontade intrínseca a cada um de nós de descobrir, de querer saber mais, de nunca estar satisfeito. Foi esta mesma vontade que levou ao desenvolvimento da sociedade em que vivemos, a qual tem evoluído a uma velocidade estonteante. A evolução é tão rápida que cada gerção de pessoas tem que se adaptar durante a sua vida aos novos parâmetros.

A nossa introdução a este artigo vem no sentido de impedir que se façam juízos de valor desvaforáveis ao investimento em investigação científica. Estes cientistas que estão a trabalhar neste projecto concreto vão aprender e até descobrir algo que poderá ser útil noutras áreas que não a astronomia. O objectivo de enviar uma nave a Marte não é apenas o de completar a viagem, mas o de desvendar o que poderá existir no planeta mais próxima da Terra que possa ser útil para os Humanos. É lógico que no presente é difícil prever que benefícios poderão ser retirados de um estudo como este. No entanto, olhando para a História, podemos concluír que a vontade de conhecer mais acaba sempre por benefeciar a Humanidade.

Os cerca de 500 milhões de dólares “gastos” neste projecto poderiam, sem dúvida, ser usados para enviar comida ou medicamentos para África, ou mesmo para prevenir alguma necessidade que surja com as crises que falamos anteriormente. Todavia, não é o dinheiro usado no desenvolvimento científico que deverá ser canalizado para resolver estes graves problemas. Seria possível, isso sim, recolher fundos verdadeiramente gastos para desenvolver os países mais pobres, e não apenas para os alimentar. A ciência de hoje pode garantir a nossa sobrevivência no futuro. A vontade de evoluír sempre fez parte da sociedade Humana, tendo acelerado desde há uns séculos; mas não pode parar. Este dinheiro é, definitivamente, para a Terra.

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15 maio, 2008

Combustão Económica

O nível do preço do barril de petróleo está a atingir valores que, como sabemos, são insustentáveis. Esta subida imparável de preço tem origem na procura actual e prevista, a qual se crê ser muito superior à oferta possível. Não obstante, alguns analistas sugerem que parte da subida do preço resulta de pura especulação no mercado. A verdade é que cada vez mais caro explorar novos e mais profundos poços petrolíferos, sendo inevitável que dentro de algum tempo o preço atinja níveis economicamente fatais. Importa, no entanto, realçar que o preço de venda aos consumidores é agravado pelos custos de refinação do combustível (inevitável), pela margem de lucro das empresas petrolíferas (aceitável, desde que o valor seja justo e não fruto de oligopólios) e pelos elevados impostos sobre o valor final (que representam quase 50% do preço). E aqui somos tentados a perguntar: porque não baixar tais impostos, impulsionando toda a economia, baixando custos de produção e aumentando o rendimento disponível para consumo?
Cremos que esta possibilidade, considerada apelativa, seria mais catastrófica do que o próprio problema. Caso os Estados baixassem ou acabassem com os impostos sobre os produtos petrolíferos, a procura destes iria aumentar exponencialmente. Ora, a oferta – (supostamente) com dificuldade responder eficientemente às necessidades actuais - passaria a ser deveras insuficiente e o preço base do barril dispararia rapidamente para valores economicamente inaceitáveis.
Por incrível que pareça, os impostos podem estar a aguentar esta “bomba-relógio” durante mais tempo: o preço é alto, os consumidores tendem a baixar (ou, pelo menos, controlar) o seu consumo, isto apesar de existirem cada vez mais consumidores nos países em desenvolvimento.
Para este problema não existem soluções milagrosas. A subida exponencial dos factores de produção, reflectida no preço final dos bens, é uma consequência inevitável que nos preocupa a todos. Inevitável também é subida dos preços originar uma quebra na compra de produtos petrolíferos. No entanto, para a economia (ocidental) funcionar, terá que se encontrar bens substitutos. Não sabemos se será o hidrogénio, a electricidade ou outro que ainda não foi inventado. Sabemos, sim, que ele terá e irá aparecer, sendo apenas uma questão de tempo. Aliás, as próprias empresas petrolíferas estão em posição favorável para desenvolver uma nova fonte energética, considerando a óptima situação financeira em que se encontram e que potencia o investimento em investigação e desenvolvimento. E, já agora, o Estado – que com parte das receitas dos imposto poderá apoiar tais projectos.

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01 maio, 2008

O Fim da Linha...

A política portuguesa tem atravessado, nos últimos anos, uma “crise de identidade”. Os problemas são resolvidos à medida que vão aparecendo e, como consequência, ou são mal resolvidos ou geram problemas ainda maiores. Este facto leva a que se fale da pouca diferença entre as propostas do PSD e do PS (lendo os estatutos de cada um nota-se que partem da mesma base de social-democracia) e da falta de soluções gerais para quase tudo o que se passa na sociedade. Ao mesmo tempo, não existe um acompanhamento do desenvolvimento social por parte da ideologia política. No parlamento existem todos os dias discussões infrutíferas e até algumas exaltações nos debates por parte de alguns deputados mais dedicados, que acabam por resultar em “nada”. Tudo quase à semelhança de um pequeno teatro de improviso.
Não se pense, por estas palavras, que estamos a dizer que a política “não serve para nada”, ou que o “típico” político apenas olha para o seu umbigo (não que isso, infelizmente, não aconteça). A verdade é que só podemos avançar apostando nas pessoas certas. E, com certeza, há políticos com boas intenções no meio disto tudo. O que falta são ideias! Uma estratégia de longo-prazo, uma visão daquilo que o mundo é agora e uma adaptação às suas transformações cada vez mais rápidas. É preciso não esquecer que quem “conduz” a sociedade são os indivíduos e as suas relações. Não é um conjunto de alguns desses indivíduos que foram eleitos. Esses têm que fazer o seu trabalho, como qualquer outro de nós, que no caso é o de legislar e governar conforme lhe foi “sugerido” pelos seus eleitores. Pense-se nisto como numa relação empregador-empregado. Tão simples como isto: os empregados da sociedade ganham a vida propondo e executando boas soluções para os problemas dos seus empregadores. A situação em que nos encontramos é de falta de qualidade geral destes “profissionais”. Talvez os empregadores (nós) também estejam a exigir pouco...
Impõe-se que surja em Portugal (e na Europa) uma nova ideologia, mais racional, adaptativa, motivadora da evolução constante, em vez de ‘paralisadora’ do desenvolvimento. Chega de conversa antiquada de comunistas/fascistas. É uma perda de tempo. Basta ler um ou dois livros para prever qual a solução desses “ideólogos de outros tempos” para os problemas da actualidade. É normal. Tudo tem o seu tempo. Pensamos que aos poucos esta vontade de mudar o pensamento politico vai passar a ser uma realidade. Isso pode acontecer a bem, se a sociedade actuar a tempo, ou a mal, se esperarmos pelas grandes crises sócio-económicas que se avizinham. Não obstante, temos a certeza que daqui a uma ou duas décadas, com mais ou menos “danos colaterais”, a solução vai ser encontrada para uma nova linha de acção: nem que seja por mudança de gerações.

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15 abril, 2008

Os Jogos Olímpicos Paradoxais de 2008

As recentes manifestações que se verificaram em países europeus, aquando da passagem da chama olímpica pelas ruas das principais capitais, assim como as ocorridas nos EUA e noutros países, contra a realização dos Jogos Olímpicos na China, pecaram por não passar a mensagem correcta e completa.
Todos os protestos tiveram como base a ocupação do Tibete pela China. No entanto, essa é apenas uma das muitas razões pelas quais os jogos nunca deveriam ter sido organizados nesse país. Apesar de toda a censura e de todo o controlo de informação que é feito por parte do Governo comunista Chinês, são muito frequentes as notícias e reportagens de violações dos direitos humanos e das liberdades individuais que, muitas das vezes, são das mais primitivas que podem existir.
Os Jogos Olímpicos não são um mundial de futebol ou um campeonato do mundo de outro desporto qualquer. São, sim, um elemento que agrega todas as comunidades do planeta que, em paz e desportivamente, competem e festejam em conjunto. Sempre foram encarados como um símbolo positivo e, por vezes, politicamente usados para mostrar que países que não respeitam regras mínimas de humanidade, não têm lugar nesse espírito que é o dos Jogos.
A China é tudo menos um símbolo positivo. Não a comunidade chinesa, que pouco pode fazer para contrariar as circunstâncias em que vive, mas os seus governantes e os valores que estes defendem e praticam (literalmente).
Agora é tarde para querer boicotar os Jogos. O Comité Olímpico escolheu Pequim como a cidade anfitriã dos Jogos há vários anos atrás; e o erro deu-se aí. A China está a evoluir como sociedade, mas é uma evolução mentirosa e hipócrita. O que querem fazer transparecer não é aquilo que se acontece na realidade; é areia para os olhos das outras comunidades.
A causa do Tibete tem de ser defendida, mas a causa dos milhões de Chineses que não têm voz, nem sabem o que existe para além dos campos de arroz ou das fábricas onde os obrigam a trabalhar por “meia dúzia de tostões”, não pode ser esquecida. A verdade é que, e a História mostra-nos isso, os regimes deste tipo, cancerígenos, têm vida curta e morte anunciada.

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01 abril, 2008

Educação das Gerações Futuras

Quem conhece a realidade sabe muito bem que os problemas de indisciplina, desrespeito e, por vezes, violência não são novos nas escolas portuguesas. O destaque surge para os que envolvem Professores e Alunos e, a este propósito, a opinião pública mostrou-se indignada com o vídeo da Escola Carolina Michaelis, mas ao mesmo tempo surpresa com a situação.

Olhando o vídeo, apetece-nos dizer que Portugal bateu no fundo no que concerne à Educação, mas a verdade é que situações destas acontecem diariamente e, muitas vezes, de forma ainda mais violenta, quer fisica, quer psicologicamente, para o Professor. Somos um país com resultados que deixam muito a desejar (note-se, por exemplo, os resultados do inquérito PISA), onde se regista um afastamento dos jovens em relação à escola e onde, crescentemente, as regras básicas de convivência em sociedade são cada vez mais trespassadas.

Muitas vezes confunde-se o papel da escola com o papel dos pais. Mas ao contrário do que muitos possam pensar, a escola é sobretudo um local de ensino ou, por outras palavras, educação escolar. A verdadeira educação cabe, em primeira instância, aos pais – e, por acréscimo, à escola. Esta é a ordem natural e mais correcta de o sistema funcionar. Não obstante, os pais parecem ter-se demitido das suas responsabilidades. Quando antigamente estes eram os primeiros a dizer aos Professores que se os seus filhos se comportassem de forma incorrecta, eles lhe deveriam aplicar um castigo, hoje em dia são os primeiros a aplicar um castigo (ou pelo menos, a “pedir esclarecimentos”) aos Professores quando os seus filhos se comportarem indevidamente. É esta uma triste inversão na dita ordem natural das coisas. A mãe da aluna visada, em declarações ao Jornal de Notícias, mostrou-se “chocada e revoltada” com a actuação da filha, a qual “a melhor educação” no entender dos pais. Não pondo em causa as melhores intenções deles, o resultado está à vista de todos. Numa entrevista oportuna à SIC Notícias, Daniel Sampaio alertava para o facto de se ter que educar para “a responsabilidade e autonomia”. Este é um ponto central que deve orientar os pais.

O problema é grave e não fácil de resolver. Cremos, no entanto, que a solução deverá partir primeiro das famílias, sendo a escola um complemento da educação dos jovens. O Procurador Geral da República afirmou que se deveria actuar punitivamente neste caso porque do pequeno delito se evolui para o grande – defendendo a ideia de que na escola se desenvolvem gestos que trespassam para a sociedade como um todo. A afirmação é justa e faz todo o sentido, pelo que se espera um desfecho. De qualquer forma, duvidamos que a transferência da aluna para outro estabelecimento de ensino resolva a questão de fundo.

Mas o que mais nos preocupa é que esta situação, não pontual, evolua gradualmente num sentido negativo, isto porque as gerações actuais serão, obviamente, as futuras. Se tudo se mantiver sem que se dê uma mudança brusca, cabe-nos perguntar onde acabaremos. O futuro não cabe apenas a Deus. Depende também de nós, de cada um, individualmente. Hoje, e não, só amanhã.

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15 março, 2008

A Formação nas Empresas Portuguesas

Muito tem sido dito sobre a importância da educação como forma de dar resposta às elevadas exigências que hoje se colocam a cada um nós. Na verdade, também já aqui o dissemos em altura passada. Porque entendemos que este é um ponto-chave que ditará (como tem ditado até aqui) o futuro de Portugal, decidimos abordar novamente a questão – tendo como ponto de interesse as empresas portuguesas e, reduzindo o âmbito, as do concelho de Vila do Conde.

Como se disse no artigo da quinzena passada, o sector português é na sua maioria constituído por pequenas e médias empresas. Grande parte destas são empresas familiares que têm, por norma, dois destinos: (i) em regra geral, com uma duração média de 24 anos, terminam em falência; (ii) na passagem da segunda para a terceira geração de liderança sofrem uma forte reestruturação que lhes assegura a sobrevivência. Na transição do controlo da empresa do fundador para os filhos, a regra tem sido uma completa negação da educação como um pilar crucial para a continuação do negócio. Aliás, grande parte dos fundadores não tinham sequer educação superior, dadas as condições económico-sociais da altura. Como tal, as empresas familiares representam um afunilamento das oportunidades de educação, baseado na crença de que o saber de experiência feito pode ser tão simplesmente transmitido e sem ser necessária a aquisição de conhecimentos actuais e motivação/vocação para o cargo a desempenhar.
Este facto representa um entrave ao progresso: (i) não alarga os conhecimentos necessários para fazer face às exigências actuais; (ii) não permite desenvolver uma potencial rede de contactos com instituições, empresas e indivíduos; (iii) condiciona o acesso a novas tecnologias, informação e modos de operação de actividades. Por estas razões diríamos que a importância da formação nas empresas é, sem dúvidas, um factor de potencial sucesso.

Um estudo realizado a 50 gestores de empresas (familiares e não familiares) mostrou que todos eles tinham formação superior e noção da importância da mesma, que haviam sido bons alunos, que tinham experiência académica no estrangeiro, entre outras características, que marcam um perfil que não se tem incentivado em Portugal.

O país é o espelho da economia e esta o reflexo das suas empresas. Facilmente se percebe que é do progresso das empresas que se gera o progresso do país. Independentemente da função que se exerce numa empresa, a formação das pessoas é crucial à manutenção de uma competitividade sustentável. Outros países já o perceberam bem; outros ainda não. E quando dizemos países, referimo-nos obviamente às pessoas. E nestas, incluem-se também os empresários, que aqui têm um importante papel a desempenhar na promoção da formação aos seus colaboradores.

Publicado no Jornal de

01 março, 2008

O Papel do Gestor

A figura do Gestor, como hoje a concebemos, surgiu nos EUA associada à empresa moderna. E se nesse país, o Gestor é valorizado nas empresas (do Gestor de topo aos níveis intermédios da hierarquia), mas estamos tentados a dizer que na maioria das empresas portuguesas isso não acontece com a mesma dimensão.

Até ao Séc. XIX, a grande parte das empresas era de cariz familiar: pequena dimensão, meios incipientes e, como o nome indica, quase sempre propriedade de uma família. Nos EUA, à medida que as empresas foram crescendo e aproveitando economias de escala (com acesso a um mercado de grande dimensão), surgiu a necessidade de as empresas terem um Gestor (papel inicialmente desempenhado por Engenheiros). Tal facto terá acompanhado o aparecimento da “empresa moderna”: empresa de grande dimensão, com gestores assalariados, contabilidade organizada, uma hierarquia muito definida e uma gestão separada da propriedade – ou seja, os gestores deixaram de ser, regra geral, os donos da empresa.

Mas este é um retrato para os EUA. A Europa, mais concretamente, a Europa Continental, acabou por ficar estagnada e remetida, em grande parte, às empresas familiares. Como resultado, as empresas não cresceram tanto e a figura do Gestor nunca foi devidamente implementada.

Porque razão terá tal sucedido? Entre as várias explicações avançadas salienta-se: (i) uma questão natural: os EUA, comparativamente, possuem mais recursos naturais em relação à sua população; (ii) uma questão de mercado: o mercado americano é superior ao de qualquer país europeu (note-se que os EUA são um único país e na altura a Europa não era um “mercado comum” como hoje); (iii) uma questão de cultura: ter o estatuto de empresário na Europa era considerado - e talvez ainda o seja – como algo que dava prestígio e status, não havendo uma verdadeira cultura empresarial como nos EUA, onde isso é algo banal; (iv) uma questão de intervenção governamental: os governos na Europa sempre intervieram mais na economia do que nos EUA (ex.: os caminhos de ferro nos EUA surgiram da iniciativa privada e na Europa foram assegurados pelos governos); (v): ausência de tradições: nos EUA não haviam tradições como na Europa, onde por exemplo se viveu o feudalismo, tendo isso contribuído para que não houvessem entraves à mudança e ao desenvolvimento.

O grande tecido empresarial português é constituído por pequenas e médias empresas, onde ainda vigora a empresa de cariz familiar, onde os donos são, por norma, os gestores, com formação não necessariamente adequada, e expectativas de negócio muito reduzidas (normalmente, o crescimento da empresa não é um objectivo, sendo o principal o sustento da família).

Como resultado, as empresas portuguesas não se desenvolveram como seria desejado – e por conseguinte, o próprio país sofre(u) com isso. A inexistência de uma hierarquia empresarial que privilegie os gestores, como profissionais competentes para a Gestão, pode continuar a ser um condicionante à evolução. Note-se que a formação em Gestão não é condição essencial para se ser bom Gestor, mas parece-nos irrefutável que globalmente sejam dos mais capazes para o fazer. Os EUA perceberam isso por volta de 1850, tendo criado escolas de Gestão para o efeito, pelo que hoje são um exemplo de excelência na formação nessa área. E Portugal e a Europa?