O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 março, 2009

Portugal em Derrapagem

O termo “derrapagem” é um lugar-comum em Portugal. Não fossemos nós peritos em equilibrismos e teríamos seguramente tombado de tal forma que só após um longo período de convalescença nos conseguiríamos erguer. Os últimos anos em Portugal têm sido anos de derrapagem na educação, na cidadania, no sistema económico e equilíbrio financeiro do país, na corrupção, ou na integridade da política. Dá a ideia de que andamos sempre de sapatos de verniz numa pista de gelo... As derrapagens lá aparecem, mais do que seria desejável, mas não tantas vezes quanto necessário para nos fazerem sentir o gelo na face.

As derrapagens surgem em diferentes formas e conteúdos. Umas são meras “escorregadelas”, discretas, mas que pela sua regularidade acabam por ter efeitos perversos a longo-prazo; outras têm um efeito visível, surgem isoladas e arrebatadoras. A mais recente foi a derrapagem de 100 milhões de euros nas obras realizadas no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto. A auditoria realizada pelo Tribunal de Contas revelou um custo 1/3 superior ao orçamentado e 4 anos de atraso face ao inicialmente definido. Porquê? A maioria dos encargos adveio de “trabalhos a mais e a menos, erros e omissões”. Esta justificação soa a música repetida e repetitiva, se nos lembrarmos, por exemplo, do disparate que foi a obra da Casa da Música.

Dir-se-ia que é natural existirem “desvios” na realização de qualquer obra, já que aquilo que foi idealizado nem sempre é viável e os pressupostos que inicialmente foram tidos em consideração nem sempre são realísticos. Estes factos poderão dar lugar a desvios orçamentais, que não fazem sentido serem suportados pelas construtoras. De acordo. O ponto crucial, no entanto, é que os tais “desvios” resultam sempre em “derrapagens” colossais a cargo do Estado, sempre no mesmo sentido: custo adicional. Ora, isto não faz sentido, nem é concebível num país em que muitas necessidades continuam ainda por satisfazer: um Estado pagador, maior qualidade de ensino, cuidados de saúde, apoio social e empresarial, entre muitos outros.

Num artigo escrito no Diário de Notícias, Mário Soares alertou para o facto de estar criado um clima de desconfiança e revolta, “com as desigualdades sociais sempre a crescer”. Ao tomarmos conhecimento de mais uma derrapagem e sabendo da grande preocupação social de Mário Soares, não podemos deixar de relembrar a sua célebre frase na Casa da Música: “Mas qual é o problema da derrapagem? O que interessa é que temos aqui uma coisa muito bonita. A derrapagem não interessa; o que interessa são as ideias.” É esta preocupação social que tem reinado na política portuguesa, desde o nível local ao nacional: o que realmente interessa é a ideia, ainda que o mais certo seja que resulta numa derrapagem... Enfim, que ao menos nos reste uma coisa muito bonita...