O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 fevereiro, 2007

Economia Paralela

Nos últimos anos o Estado português tem enfrentado défices excessivos, que põem em causa a economia nacional e a nossa imagem dentro da UE. A forma mais saudável (e com menores consequências sociais) de se combater o défice é o aumentando as receitas, nomeadamente através dos impostos sem recurso a medidas extraordinárias. No entanto, como sabemos, os impostos não podem ser aumentados infinitamente. Assim sendo, os Governos podem atacar o problema por outra via: a da colecta devida e total dos valores dos impostos de cada contribuinte. Ora, quando tal não acontece, forma-se uma economia paralela, algo com que convivemos desde sempre.

Em Portugal, a economia paralela representa cerca de 22% do PIB, o que equivale a mais de 33,5 mil milhões de euros. Este valor é inferior ao de Espanha (22,4% do PIB) ou da Itália (26,2% do PIB), mas tem colocado Portugal na 25ª pior posição num ranking de 123 países analisados (2002). O Banco Mundial afirmou que o fim da economia paralela colocaria Portugal ao nível da Finlândia. A situação parece, assim, preocupante, quando sabemos que poderíamos reduzir ou, até, “acabar” com o défice se cada um de nós, por iniciativa própria (!), pagasse o imposto a que está sujeito. O problema é que um produto que custa €200, com IVA passa a custar €242, e a resposta tende a ser a mais fácil quando o vendedor pergunta: “Ó amigo, é com ou sem factura?”

Uma das consequências desta “economia” é a formação de um ciclo vicioso: o Estado perde receitas através dos impostos pois os contribuintes pagam os bens/serviços “por fora”; para compensar tal perda, aumentam-se as taxas dos impostos. Perante impostos mais elevados, as pessoas tendem a “fugir” mais. E o Estado volta a perder receitas e por aí fora… No final, o contribuinte que cumpre as suas obrigações acaba penalizado: paga a mais aquilo que os outros “metem ao bolso”! O mesmo acontece com as empresas, sendo isso prejudicial para os consumidores, pois há uma distorção da concorrência: as empresas que não cobram IVA conseguem praticar preços mais baixos. Um estudo da consultora multinacional McKinsey (datado de Junho 2004) afirma que 1 em cada 3 portugueses (da população activa) trabalha ou participa na economia paralela, o que representa cerca de 1,5 milhões de pessoas.

O que fazer, então? Sabemos, portanto, que a solução não passa pelo aumento da pressão fiscal sobre os contribuintes, já que tal fomentaria a economia paralela. Para além da aposta na cobrança coerciva, a introdução de um determinado leque de despesas dedutíveis em IVA para toda a população poderia ser um factor motivador do cumprimento voluntário (à semelhança, em parte, do que acontece nos EUA/Canadá). Ainda que tal fizesse diminuir as receitas a curto-prazo, a verdade é que seria benéfico para a saúde da economia portuguesa.

Bloco de (Des)argumentos

Por mera curiosidade demos por nós a vaguear pelo site do Bloco de Esquerda, essa força trotskysta muito em voga. Aí encontramos a “Moção de Orientação – Aprovada na IVª Convenção do Bloco de Esquerda de Maio de 2005”, uma maravilha que decidimos partilhar com os leitores, citando duas passagens do tão erudito ensaio político.

O capitalismo contemporâneo afirma a autonomia do mercado em relação à própria produção e ao quadro nacional ou regional em que se desenvolve, acentuando assim a precarização do trabalho, a desterritorialização da empresa e o aumento do peso do capital especulativo.” O capitalismo sempre assentou numa economia de mercado, livre e competitiva, baseada na produção de bens e serviços. Até então as críticas ao mesmo assentavam na exploração dos meios de produção humanos em benefício dos detentores do capital. Agora, o Bloco vem afirmar que o mercado se sobrepõe à produção. Ora, o problema é que não existe mercado sem produção. Mesmo num mercado de capitais (ex.: bolsa de valores), o que está por trás do seu funcionamento é a evolução das empresas que, pela sua natureza, produzem algum bem ou serviço.

Serviço nacional de saúde e escola pública de qualidade, gratuitos, universais e eficientes, são condição fundamental da democracia que se baseia em bens comuns e responsabilidades colectivas. Bens essenciais, como a água, não devem ser um negócio. E reservas tão importantes como a energia, devem ser nacionalizadas, de modo a que o país possa diminuir radicalmente os seus níveis de dependência.” É difícil arranjar argumentos que abalem a “beleza” de afirmar que tudo deve ser gratuito e universal. A água não deve ser um negócio. Estamos de acordo. E o pão? E o leite? E o bife e a sardinha? E a roupa interior? E as habitações? E os medicamentos? São todos eles bens essenciais que nós também gostávamos que fossem gratuitos. E porque não são? Pela simples razão de o mercado ser mais eficiente que o Estado. As pessoas decidem produzir livremente aquilo que querem, obtêm lucro com isso e vêm-se “obrigadas” a melhor os produtos para atraírem mais consumidores; caso contrário, são excluídas do mercado. Se a água for privatizada não significa, por si só, que os preços aumentem. Se várias empresas competirem no seu fornecimento (sem influências das autarquias), o preço tenderá a baixar e a qualidade do serviço a aumentar (se nada mais se alterar). Se for apenas uma entidade (Estado) a fornecê-la, não haverá incentivo a fazê-lo da forma mais eficiente possível. E não nos venham com as “charadas” do serviço público, porque isso está mais que provado que é só “fogo de vista”. O que nos interessa a todos, no fundo, é que o serviço seja de qualidade e acessível.

Por outro lado, o facto de o proprietário dos recursos energéticos ser nacional ou estrangeiro, é outra falsa questão, já que este nunca poderá levar as nossas reservas de energia “às costas” para o seu país de origem! Se os estrangeiros prestarem melhor o serviço, então, que venham eles!

Publicado no Jornal de

01 fevereiro, 2007

Vida para Além das Obras

A 5 de Janeiro, o título “Estado e Autarquias Devem Mais de 2000 Milhões às Empresas” fazia manchete no “Semanário Económico”. Entre a extensa lista das autarquias mais “caloteiras” contavam-se Aveiro, Coimbra, Maia, Guarda, Figueira da Foz e, qual surpresa, qual quê, Vila do Conde.

Nestas autarquias, as dívidas chegam a atingir os 24 meses de mora, o que, por si só, é um problema para muitas pequenas e médias empresas de construção civil que vêm a sua situação financeira cada vez mais apertada por cada serviço prestado à comunidade. Não se trata de defender este ou aquele sector (ou se este merece, ou não, ser defendido); trata-se de “deixar respirar” a economia.

Esta situação é até caricata se tivermos em consideração que as empresas de construção civil têm de “apaparicar” as câmaras municipais, por forma a serem consideradas para futuros projectos, já que estas são dos seus “melhores clientes”. E por essa razão, segundo o mesmo jornal, na maioria dos casos não são exigidos juros de mora às autarquias, o que aconteceria caso se tratassem de privados.

O sector da construção civil é um dos grandes empregadores e criadores de valor acrescentado no país, estando a ser fortemente prejudicado por esta situação. O que sucede, portanto, é que o Estado (na figura das autarquias) exige muito, mas cumpre pouco. Esta situação é análoga a outras, como o caso do IVA, em que as empresas se vêm obrigadas a pagar as suas obrigações “a tempo e horas”, enquanto que o Estado (na figura do Governo) devolve o mesmo, muitas vezes, com vários meses de atraso, colocando as empresas em aperto financeiro, ou mesmo em risco de falência.

No artigo, podia-se ler ainda (citação na integra): “Na lista de piores pagadores aparece Vila do Conde, presidida por Mário d’Almeida, até há poucos anos presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), agora liderada por Fernando Ruas.” O problema do sobreendividamento de Vila do Conde não é novidade para ninguém (!) e tem sido referido (pelo menos...) pela oposição. A questão crucial aqui é que, ao que parece, gerir bem as contas da autarquia nunca deu votos a ninguém como bonitos candeeiros com a luz apontada para o céu. Dizemos nós...

Enquanto não se fizer perceber aos nossos dirigentes que tem que existir “mais vida para além das obras”, incluindo a das empresas, a situação como a de Vila do Conde será recorrente. O que é triste.

Engane-se, porém, quem pensa que não existem bons exemplos. Autarquias (admire-se o leitor) como Amarante, Braga, Gondomar, Matosinhos, Paredes, ou Ponte de Lima, cumprem os prazos de pagamento assumidos com as empresas.