O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 abril, 2006

A Revolução dos Malmequeres

Caro leitor, imagine que sai de manhã às 7h30, trabalha a 30km de casa, e só volta a pôr a chave na sua porta bem perto das oito da noite; por norma, chega cansado e as únicas coisas que lhe vêm à cabeça são comer e descansar. A somar a tudo isto, o seu cônjuge tem também um horário bastante rígido, o que dificulta as lides da casa e os cuidados de que os seus dois filhos, o Manuel e a Maria, carecem. Tarefas quotidianas como limpar a casa, preparar as refeições, lavar a roupa, fazer as camas, comprar o pão do dia, tornam-se actividades impossíveis de conciliar com a rotina diária da sua família. A solução para o seu problema é, pois, contratar uma empregada doméstica, a sua vizinha D. Alzira, que você tem “em muito boa conta”.

Mas a questão é bem mais complexa do que à primeira vista pode parecer. Para celebrar o tal contrato é, por lei, obrigado a pagar pelo menos o salário mínimo, subsídios de férias e de Natal e a fazer um seguro. Até aqui tudo bem. Todavia, por força da Revolução do 15 de Abril (simbolicamente conhecida como a dos Malmequeres), o Sindicato dos Operários Domésticos Associados (SODA) conseguiu que fosse aprovada uma lei que impede o despedimento da sua empregada. Além disto, o SODA reivindicou que de três em três anos você tem que aumentar o salário em 5%, além, claro, das correcções anuais para compensar a inflação.

Você encontra-se numa posição delicada: por um lado necessita dos serviços da D. Alzira, pois isso ajudaria em muito a sua vida diária, mas por outro lado sabe que isso implica um compromisso a longo prazo. Mesmo assim, as circunstâncias obrigam-no a aceitar estes termos e contratar a D. Alzira, que entra logo ao serviço.
Nos primeiros meses foram só maravilhas. Comida quente e saborosa, roupa engomada e cheirosa, casas-de-banho esterilizadas e a brilhar e a casa a cheirar a flores, sem vestígios de pó ou sujidade: “tudo nos trinques!” Com o passar do tempo, o serviço da D. Alzira começa a perder qualidade e os vestígios da sua inactividade começam a ser visíveis: mais um problema para resolver. Fala com a sua empregada e ela diz-lhe: “Olhe, Sr(a). Leitor(a), não sei que lhe faça; já dou o meu melhor. Está mal, arranje outra!”. Não a podendo despedir, e com o dilema do trabalho por fazer, vê-se então obrigado a contratar também a D. Josefa par “ajudar” a D. Alzira. O tiro sai-lhe pela culatra: a qualidade do serviço pouco melhora e ainda tem de resolver os conflitos entre as duas senhoras, que passam uma boa parte do dia a ler a “Marineide + Atrevida” e a discuti-la. No entanto, como não pode gastar mais do que aquilo que aufere, não contrata mais ninguém. Nem, claro, despede as duas empregadas que já contratou.




Três meses depois, por força do destino, o seu cônjuge decide abrir uma loja perto de casa, passando a ter mais tempo para cuidar das tarefas domésticas. Sendo assim, decide destacar a D. Alzira para os “quadros excedentários”, visto que não a pode despedir, resolvendo, também, o problema dos conflitos. Mas eis que lhe surge a possibilidade de rentabilizar os custos que tem, dando formação à D. Alzira para se tornar secretária do seu cônjuge, proposta essa que a ela aceita. A formação implica custos que serão, claro está, suportados por si. Mas a D. Alzira, já com os seus quase 60 anos, executa mal as tarefas e revela ter baixa produtividade. Pouca sorte!

Com certeza que o leitor já percebeu onde queremos chegar: porque razão não podem os trabalhadores do Estado serem despedidos?
O exemplo, que aqui caricaturamos, ilustra bem o quão ridículo e ineficiente é o nosso sistema da administração pública. Pretende-se hoje incutir uma cultura de remuneração do mérito com base na qualidade do trabalho desempenhado. Mas será isso suficiente? Não. Uma coisa é a pessoa saber que, se não se empenhar, não progredirá na carreira (por obter uma avaliação negativa), ainda que tenha o emprego garantido; outra é saber que, se não se esforçar e lutar por ser melhor, corre o risco de ser despedido e substituído por alguém mais produtivo.
Uma prova da mediocridade do nosso sistema é a lei dos supranumerários (quadro de excedentes) da função pública, para onde são destacados aqueles que já não são necessários nas funções que ocupavam e não podem ser despedidos, podendo depois obter formação noutra área do conhecimento onde haja vagas (na condição de ‘excedentários’, os funcionários podem ficar até um ano em casa a receber o salário; se até essa data limite não forem incorporados noutros serviços, perdem um sexto do salário inicial). Mas isto leva a que donas Alziras se transformem em presumíveis secretárias, ocupando lugares que podiam ser preenchidos por pessoas mais competentes, qualificadas e produtivas, recrutadas no mercado de trabalho.

Será que a Constituição que temos, mais do que a que queremos, é a que realmente precisamos? Se nenhum de nós aceita ter um empregado vitalício, como poderemos, todos nós (Estado) aceitar funcionários nesses termos? Os direitos adquiridos fazem parte de uma época, não do Tempo.


Luís Soares
Nuno Miguel Santos

Publicado no Jornal de

01 abril, 2006

Os Lucros do Sr. Jose

O lucro é, muitas vezes e por muita gente, encarado como algo de negativo para quem o aufere. Pecaminoso, até. Ouve-se falar de “capitalistas”, “gentes do dinheiro” e demais atributos muito fáceis de dizer mas difíceis de justificar. A questão é: porquê?
Por que é que há tendência a manifestar repúdio por este conceito, “lucro”?

O Sr. José tem uma vivenda na Foz do Porto, uma herdade no Alentejo, um apartamento no Algarve, um Porsche, um Mercedes desportivo, um BMW topo de gama e joga Golfe aos fins-de-semana. Os seus filhos estudam num dos mais conceituados colégios de Londres, tem duas empregadas domésticas permanentes e presenteia a esposa todos os anos com as mais caras jóias da moda.
O Sr. José é proprietário de uma grande empresa nacional. Todos os luxos de que usufrui advêm, para além do seu salário, dos lucros que retira para si da actividade da sua empresa todos anos (cerca de 1 milhão de euros, ou 200 mil contos). Empresa essa, fundada por ele próprio há quase 30 anos, tendo vivido inicialmente tempos bastante difíceis, e contrariamente à vontade manifestada pelos seus pais. Emprega cerca de 1500 trabalhadores e 70% deles não ganha mais de €600 mensais. Uma grande parte daqueles que conhecem a sua vida, acham que ele vive à custa da exploração dos seus trabalhadores e dizem que, como onde há fumo há fogo, onde há lucro também deve haver roubo.



Mas o que seria se o Sr. José não pudesse usufruir do lucro? Ou seja, será o lucro vantajoso para a sociedade ou não?
As consequências dessa impossibilidade sentir-se-iam a vários níveis. Em primeiro lugar, porque iria o Sr. José arriscar o pouco capital que tinha há 30 anos atrás e pôr em risco o seu futuro na criação de uma empresa, se soubesse que a única remuneração que iria obter seria um salário mensal? Só se não agisse racionalmente, pois para receber um salário bastar-lhe-ia candidatar-se a um emprego qualquer. Emprego esse que teria de ser numa entidade estatal, pois não haveriam incentivos à criação de empresas por todos os Josés, Antónios e Joaquins deste pais. E qual é o problema de não existirem empresas?

As empresas são organizações de pessoas com o objectivo de produzir bens e/ou serviços que%