O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 julho, 2005

O Presidente de Algures

[Discussão entre o presidente da Câmara Municipal de Algures (PCM) e um dos presidentes da Junta de Freguesia (PJF) desse concelho:]

Brasão de Algures



PJF: - Senhor presidente, como já lhe tive oportunidade de dizer anteriormente, as verbas que nos disponibiliza são insuficientes, considerando as necessidades desta freguesia.

PCM: - E eu já lhe disse que não há dinheiro para luxos!

PJF: - Se entende que luxo é a população ter acesso a água potável, a uma rede de esgotos completa ou a estradas em estado razoável, para não dizer bom, não deve estar a ser sincero consigo próprio ou então, e peço desculpa, deve andar a “fazer pouco” dos outros. Digo eu…

PCM: - Vamos lá ver se nos entendemos. Você sabe muito bem que a Câmara não anda a nadar em dinheiro. O problema não é meu; até tenho aí alguns bons projectos em mente, mas a Capital não nos financia como queremos.

PJF: - Há anos que o ouço dizer que o problema não é seu. Você é eleito para representar todas as freguesias do concelho e assegurar, no mínimo, que todas as necessidades básicas são satisfeitas. Não é a pôr candeeiros e a arranjar jardins nalguns sítios, enquanto há pessoas que subsistem com poços e são obrigadas a limpar as suas próprias fossas.

PCM: - Quem é você para me vir aqui dizer isto? Eu sou um homem de Esquerda! O meu interesse é o povo!

PJF: - Isso já eu sei há muito tempo! O problema sempre foi a índole do seu interesse pelo povo, tanto que, nas últimas eleições, disse que só distribuía verbas se o seu partido ganhasse na minha freguesia! Mas olhe que o povo não vai cair toda a vida na sua ladainha!

PCM: - Isso é tudo mentira! Se diz isso outra vez “meto-o” em tribunal! Em toda a minha vida de político procurei ser justo para com todos. Se o povo vota em mim é porque está satisfeito!

PJF: - Não meu caro; o povo que diz estar satisfeito é aquele que você mais favorece financeiramente. Diga-me lá se isso é o seu conceito de justiça e de Estado democrático de Direito! Os que votam em si, continuam a fazê-lo porque lhes satisfaz os tais luxos; os outros, que são minoria e vivem na periferia, vêm o seu voto sem efeito.

PCM: - Isso é a sua opinião e cada um tem a sua. Não contesto. Estou de consciência tranquila.

PJF: - Consciência é que cada um tem a sua. Senhor presidente, factos são factos, mas adiante. Agora que começou a época balnear, estou preocupado com a qualidade das praias do concelho de Algures. Onde é que estão as bandeiras azuis? Quero mandar limpar a praia e não há verbas. Quero pôr a praia apresentável e não há verbas. Quero fazer tratamento de esgotos e não há verbas. Senhor presidente, explique-me uma coisa: se já não há verbas durante o resto do ano, então quando é que vai haver?

PCM: - Você não se enerve! Tenha calma que tudo se há-de resolver. Já tenho tudo planeado para o próximo mandato. E acredite que as suas preocupações serão atendidas.

PJF: - Muito bem. Eu, caso seja eleito, cá estarei para tratar disso com o próximo presidente.


Luís Soares
Nuno Miguel Santos

Publicado no Jornal de

01 julho, 2005

Um Racismo Hipócrita

Quem viu o que aconteceu na praia de Carcavelos não pôde deixar de ser invadido por perguntas como: “Em que país sul-americano é que estamos?”; “Será que isto é criminalidade organizada?”; “Mas não eram mesmo só negros a participar no ‘arrastão’?”

À parte do contestável número de 500 delinquentes, agora 50 ou 100 (segundo os dados da PSP), este acto de vandalismo levanta problemas de índole social e de integração étnica.
Este assunto tem sido tratado com demasiada hipocrisia, o que reflecte a coacção social existente quando se trata de criticar e abordar os problemas relacionados com pessoas de etnia distinta. O leitor pode imaginar a dificuldade inerente à redacção de um artigo em que se tenha de falar de pessoas que apenas tenham cor de pele diferente, sem supostamente “ofender” as mesmas. Senão vejamos: porque é que quando queremos falar dos negros, e já não dizemos pretos (para não chocar ninguém, embora não haja razões para tal), lhes chamamos africanos? Afinal os africanos são os naturais de África ou todos os de pele escura? Caímos nesta incongruência, que só revela a nossa hipocrisia em nos considerarmos racistas ou xenófobos, só por lhes chamarmos pretos, quando eles também nos chamam brancos (e não europeus) e nós não tomamos isso como uma ofensa.

Sampaio na Cova da Moura



Esta é a grande causa dos problemas sociais de que sofrem os negros portugueses. Quando um negro assalta um supermercado: “Ai desgraçado que é africano!”; quando um negro não tem aproveitamento escolar: “Ai coitado que é africano!”. O receio de sermos considerados racistas pelos outros, leva-nos a tolerar, e mesmo a aceitar, comportamentos que não acharíamos correctos para um branco. Ora, isto não faz sentido. Se somos todos iguais, todos deveríamos ser tratados de igual forma para o bem e para o mal: tendo os mesmos direitos e respeitando os mesmos deveres. A culpa não é dos angolanos, ou dos moçambicanos, ou dos chineses, ou dos ucranianos, mas sim, das inadequadas políticas de integração social que adoptamos no passado para com todos eles, negros ou não.

Por esta razão, temos bairros problemáticos como a “Cova da Moura”, o “6 de Maio” ou o “Estrela de África”, onde o tráfico de droga é sistemático, onde se sente a exclusão social e se gera a revolta e onde as oportunidades de uma vida melhor são reduzidas. Um Estado de Direito deve proporcionar a todos os seus cidadãos as mesmas oportunidades de ter uma vida de bem-estar, quer eles as queiram aproveitar ou não. O problema é que nestes casos, mesmo que haja essa vontade, essas oportunidades são diminutas ou não existem.

Neste sentido, iniciativas como a visita de Jorge Sampaio à “Cova da Mora”, em que se tratou do tema da requalificação urbana do bairro em vez de se falar na requalificação dos seus habitantes (e onde o presidente deu o pontapé de saída num jogo de futebol entre moradores e agentes da PSP…), só servem para acalmar o nervosismo do Bloco de Esquerda e para “atirar areia para os olhos das pessoas”, dando a aparência de que está tudo bem e que “favelas só há no Brasil”.
Nota: A partir desta edição passamos a pôr à disposição os nossos e-mails, caso algum leitor pretenda dar sugestões ou comentar os nossos artigos.
luismsoares@hotmail.com
nmiguelsantos@hotmail.com

Luís Soares
Nuno Miguel Santos