O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 novembro, 2006

O Custo Relativo dos Nossos Impostos

O que nesta quinzena pretendemos demonstrar é o quão falacioso é afirmar-se que “custa menos” às pessoas que têm um salário elevado pagarem impostos. Dito de outra forma, para uma mesma taxa de IRS, o custo inerente a um imposto sobre o rendimento afecta da mesma forma todos os salários (independentemente do seu valor).

No nosso último artigo abordamos a questão da aplicação de uma taxa fixa sobre o rendimento (flat tax, na terminologia anglo-saxónica). Assim, consideremos o caso hipotético de duas mulheres, a Lúcia e a Matilde, que pagam uma taxa de IRS fixa de 20%, auferindo rendimentos de €2500 e €700, respectivamente. Deste modo, o imposto da Lúcia é de €500, sendo que o seu rendimento líquido de €2000. Por outro lado, a Matilde recebe €560 líquidos, pagando ao Estado €140. Como se percebe, a “fatia” do ordenado bruto que a Lúcia e a Matilde pagam ao Estado é a mesma: 20%. Ou seja, em termos relativos, e ao contrário daquilo que muitas vezes se ouve, o “custo” resultante do imposto é o mesmo para as duas. É um erro dizer-se que alguém que ganhe mais não “sofre” tanto com os impostos como alguém que ganhe menos (ainda para mais, como na vida real a taxa de IRS é progressiva, o que acontece é que quem ganha mais tem um custo superior!). Em termos absolutos (i.e., o montante efectivamente pago ao Estado) é mais elevado para a Lúcia.

No entanto, do impacto dos impostos em indivíduos que auferem rendimentos diferentes, resultam situações sociais diferentes. Melhor dizendo: a Lúcia, mesmo após pagar o seu imposto, (i) fica com um ordenado líquido de €2000 que lhe permite ter um nível de vida superior do que aquele que a Matilde, com o seu ordenado de €560, poderá ter; e (ii) continua menos vulnerável ao impacto do meio envolvente, já que, por exemplo, aumento dos preços dos bens/serviços afectá-la-ão menos do que à Matilde. Pode parecer um pouco confuso. Vamos, então, a um exemplo concreto.

As Scuts. O Governo anunciou recentemente a introdução de portagens em algumas auto-estradas do “norte do país” (!) – no que nos diz mais respeito, a A28 – que estavam incluídas no programa das Scuts, criado por Cravinho/Guterres, com o objectivo de apenas se pagarem as auto-estradas após a sua construção, com recurso ao dinheiro dos contribuintes durante 30 anos, e não com o dos utilizadores (princípio “não-utilizador/pagador” versus “utilizador/pagador”). Como era de prever, esta situação tornou-se insustentável. Mas era “só fazer as contas...”

Ignorando, por agora, a taxa de imposto sobre os rendimentos da Lúcia e da Matilde, centremo-nos no impacto de uma utilização diária da A28, Vila do Conde – Porto – Vila do Conde, para um valor mensal de €70 (que não corresponde a qualquer imposto, mas sim, a um consumo – por muito fundamental que seja). Com o seu ordenado de 2500 euros, a Lúcia, ao pagar os €70 de portagem, vê o seu ordenado reduzido em 2,8%. Já a Matilde, com este novo custo, sofre uma redução de 10% sobre o seu salário. Aqui sim, e ao invés do que acontecia com a incidência da taxa de IRS, se poderá dizer que “custa menos” à Lúcia do que à Matilde pagar a mensalidade da portagem da A28, ainda que em termos absolutos ambas despendam o mesmo.

Conciliando o IRS com a portagem, a Lúcia teria um rendimento disponível de 1920 euros, enquanto que a Matilde ficaria pelos 480 euros. O que está a acontecer a ambas é que pagam as Scuts quer pela via dos impostos (já que não houve uma diminuição das taxas dos mesmos), quer pela via da portagem. No fundo, ambas têm dois custos por um só serviço! (“E esta, hein?”)

Obviamente, o que se esperaria do Estado é que reduzisse os impostos dos habitantes do litoral NORTE como forma de compensação pela introdução das portagens. Mas bem que podemos todos esperar sentados...

Publicado no Jornal de

01 novembro, 2006

Impostos Mais Justos

É sintomático: quando chega a altura de pagar os impostos (para quem os paga...) toda a gente suspira e pragueja contra tudo e contra o Estado. E fazemo-lo com razão. Senão vejamos: a taxa progressiva de tributação sobre o rendimento que é hoje praticada no nosso país é definitivamente injusta do ponto de vista da equidade social.

A existência de escalões, que obriga a que aqueles que auferem rendimentos superiores estejam sujeitos a taxas de IRS mais elevadas, além de não conseguir cumprir os parâmetros da (tão proclamada) justiça social, é economicamente ineficiente e, portanto, prejudicial para os cidadãos. Intuitivamente se percebe que a taxa progressiva se revela ineficaz quando tomamos em consideração o facto de, na prática, os salários brutos tenderem a adaptar-se à progressividade das taxas de forma a assegurarem aos que ganham mais que ganhem ainda mais por forma a manterem o diferencial desejado nos salários líquidos. No final, o salário líquido mantém-se igual apesar do bruto ter aumentado. Além disto, dado que as reformas são calculadas com base nos salários brutos, gera-se uma situação em que aqueles que ganhavam mais nos tempos de desconto, fiquem a ganhar mais na idade de reforma.

Por outro lado, dada a natureza das taxas progressivas, muitas pessoas sentem-se tentadas a encontrar formas de declararem menos rendimentos do que aqueles que realmente auferem. E a desculpa é sempre a mesma: “Se os outros fogem... eu só não o faço se for burro!” Este tipo de tributação acaba por ser um potenciador da evasão e fraude fiscais, já que quanto mais um indivíduo aufere, maior é a proporção retida do seu rendimento. Muitas pessoas argumentam que “quem tem mais também pode pagar mais”; mas o que acontece em Portugal é que quem tem maiores rendimentos está a pagar mais impostos por duas vias: (i) paga mais devido ao valor elevado desses rendimentos [10% de €1000 > 10% de €100] e (ii) paga mais porque é tributado a uma taxa superior.

Nascida em 1994 na Estónia, Letónia e Lituânia (todos eles países da ex-União Soviética!), a flat tax (taxa única) apresenta-se como um modelo de tributação alternativo à taxa progressiva. Esta taxa única tributa de igual forma todos os níveis de rendimento. E, ao contrário daquilo que se possa crer, ela promove uma maior justiça e paridade sociais, já que radica qualquer tipo de descriminação (qualquer indivíduo desconta proporcionalmente o mesmo que o seu semelhante). Com a flat tax, pessoas com rendimentos superiores descontam mais do que pessoas com rendimentos inferiores, mas toda a gente paga na mesma proporção.

O exemplo seguinte ilustra bem a acréscimo de justiça social propiciado pela taxa única sobre o rendimento. Assumindo que (i) a taxa única é de 20%, que (ii) o salário mínimo de um país é de €350 e que (iii) até este valor ninguém está sujeito a nenhuma taxa, um contribuinte com rendimento de €500 seria tributado à referida taxa única apenas sobre €150 (= €500 - €350), totalizando o valor de €30 de imposto (= 20% x €150). De igual forma, um indivíduo que ganhe €3000, seria tributado sobre o valor de €2650 (= €3000 - €350), resultando no valor a pagar de €530.

Pode-se afirmar que uma taxa única de 20% não seria suficiente para suprir as necessidades do Estado. O certo é que a Eslováquia, por exemplo, instituiu uma taxa única de 19% para o IRS, IRC e IVA (com resultados positivos), o que vem provar que a flat tax, além de ser mais justa, é viável.

Crê-se que a taxa única diminui as fraudes e torna mais fácil e, porventura, atractiva a cobrança de impostos. E não é mentira que nos países em que foi implementada as receitas desta política fiscal aumentaram significativamente.

A escolha de um tipo de tributação sobre rendimentos é algo fundamental para o bem-estar da sociedade, que não se pressupõe igual à totalidade do bem-estar de cada indivíduo.