O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 outubro, 2005

Divergências - Caça, sim ou não?

0. A problemática da caça suscita opiniões bem distintas. Por mais pontos de vista que partilhemos, divergimos peremptoriamente nesta matéria. Aqui ficam apenas alguns dos vários argumentos possíveis.
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1.Fundamento
Luis: O fundamento da caça baseia-se na busca de prazer. No entanto, e como noutras actividades humanas, a busca do prazer pode resultar em quebra de regras/valores. Ou seja, “não se olha ao meio para atingir o fim”. Na caça penso que isto acontece em certa medida. Não se trata de morrermos à fome, mas sim, de matar apenas se necessário.
Nuno: A reprodução e a caça são duas actividades ancestrais que desde sempre acompanharam o Homem. A primeira, porque sempre permitiu a continuação da espécie; a segunda, a sua subsistência. Hoje, a caça encontra fundamento no prazer, não no de matar os “bichinhos”, mas no de caçar: levantar às 6h e palmilhar 5 horas de terreno na adrenalina de ouvir o restolhar de uma perdiz. Não menos importante é a caça para o controlo das espécies (como o javali ou o coelho) para minimizar os danos na agricultura.

2. Caçador vs Matador
L: Do meu ponto de vista, na caça não se pode dissociar o “caçador” do “matador”. Não o matador com o sentido negativo que possui quando aplicado a seres humanos, mas aquele que tira a vida a outro animal (mais fraco) sem uma justa causa. A vida de um animal tem valor suficiente para que a questão da justiça se coloque.
N: Existe uma clara distinção entre o verdadeiro caçador e o matador. O caçador é ecologista, olha pela agricultura e preza o respeito entre caçadores. O matador é aquele que só olha para o próprio umbigo, preocupado em não chegar a casa de “cinto a abanar”. O caçador vai caçar; o matador é o que “diz que vai”…

3. Moralidade
L: A moral deriva do valor que atribuímos a algo. Penso que no caso dos animais há um valor significativo, como já referi atrás. Percebemos facilmente esse valor com as fortes relações que desenvolvemos com alguns animais de estimação. No caso da caça, o animal é selvagem mas não deixa de possuir muitas das características dos seus congéneres; no entanto, é morto inutilmente. A caça tem, por isso mesmo, um carácter imoral.
N: Sou levado a dizer que entendo que na caça há amoralidade. Não estamos a falar de matar um Homem ou um animal de estimação, mas sim, animais providos apenas de instinto. No limite, então, proibir-se-ia a matança de moscas ou galinhas! O problema que associa a caça à imoralidade é o sentido pejorativo atribuído à palavra ‘matar’ (mas para comer é necessário matar).

4. Biodiversidade
L: O raciocínio que desenvolvi no ponto 1 aplica-se de igual forma à biodiversidade: a ideia fundamental é de que é verdade que a caça traz algumas vantagens neste aspecto, mas isso não implica que a sua índole seja boa. Por exemplo, eu posso querer dar uma volta no Ferrari que está na rua e ter prazer com isso, mas não o faço porque o roubo vai contra os meus princípios/valores. Importa também salientar que a caça é causadora de muitas extinções de espécies no mundo.
N: É inegável o contributo da caça para a biodiversidade. A degradação dos habitats selvagens tem como principais causas a agricultura intensiva, a fragmentação do ecossistema ou a poluição industrial. É aqui que entra a caça como factor encorajador da biodiversidade, uma vez que promove novos e melhores habitats naturais e a repovoação de espécies. Se é certo que os caçadores subsistem em quanto existir caça, não é errado afirmar que hoje, a caça só subsiste enquanto existirem caçadores.
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Luis Soares
Nuno Miguel Santos

Publicado no Jornal de

01 outubro, 2005

A Praxe: Um Cancro no Seio da Universidade

É tempo de fazer evoluir a tradição. Um país que diz reger-se por princípios democráticos, com ambições como a igualdade, a liberdade, os direitos humanos, a honra ou o direito ao bom-nome, não pode tolerar uma irracionalidade como a “praxe” académica. Sim, isso mesmo: aquilo que todos nós, numa espécie de condescendência social, consideramos ser uma mera “brincadeira” da “malta nova”.

O que é uma faculdade? Comummente, a faculdade é o espaço onde os alunos aperfeiçoam os conhecimentos até aí adquiridos e se preparam para exercer uma actividade profissional. Só? Não. Sendo uma entidade com o objectivo de educar tem, desde logo, a responsabilidade de ir mais além do que a simples transmissão de conhecimentos e contribuir para a formação cívica e moral dos alunos, para que estes se definam como adultos conscientes e enquadrados na sociedade.

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Contudo, não é isso que se verifica na prática, uma vez que a praxe nas faculdades é a própria negação disso mesmo. Os ditos “doutores” (uma das designações para aqueles que praxam os alunos dos 1º ano, a quem chamam caloiros), que muitas vezes chegam a frequentar (ou nem isso) a faculdade tanto tempo que dava para tirar dois ou mais cursos, vestidos com os seus típicos trajes negros, submetem os novos alunos a um rol deveras criativo de abusos e humilhações em troca de uma suposta integração no grupo dos que terão “o direito” a praxar nos anos posteriores.

Note-se que a integração dos novos alunos é um dos argumentos dos praxistas - uma profunda falácia. A praxe obriga os alunos a integrarem-se num grupo predeterminado, tirando-lhes a capacidade de decidir quais as suas companhias. Como poderão os novos alunos sentirem-se integrados e criar novos laços de amizade, quando não há um ambiente propício ao convívio, mas sim um ambiente propício à submissão? Há sempre a “desculpa” de que a praxe é uma tradição e que por isso tem de ser continuada. Mas nem sempre a tradição, apenas por o ser, é algo positivo; relembre-se que as mulheres portuguesas, segundo a tradição, não tinham direito a escolher um marido, a trabalhar ou a votar. No entanto, estas tradições foram quebradas pois a sociedade, com o passar do tempo, acabou por concluir que estavam erradas. Ora, com a praxe este processo tem sido muito mais difícil já que tudo se passa dentro da faculdade, num ambiente restrito, para o qual muito contribuem os adultos que, aparentemente, acham “engraçado” e “tão lindo”, “os meninos” andarem molhados, esfregarem a cara em ovos, simularem actos sexuais e orgasmos, grunhirem, comerem relva ou rebolarem na lama. Por outro lado, alguns pais incentivam mesmo os filhos a participarem na praxe e a usarem o traje para que “não fiquem atrás dos outros”, exibindo a “fatiota” para parecerem “doutores”.

“Mas só vai à praxe quem quer!” Mais uma mentira. Então, por que é que “guardiães da tradição” esperam os caloiros à porta das salas de aula? E por que é que quem não “alinha” na praxe é apelidado de “anti-praxe” e intimidado com frases do género: “Se não fores à praxe vais ser excluído”?
Para os praxitas, a praxe serve também como uma “escola de vida”. Uma escola que, no fundo, leva a uma vida de excessos, infantilidades e submissões, que contribui para falta de personalidade e para o medo de dizer “não”.

Defendemos uma integração dos novos alunos baseada em redes de solidariedade e de camaradagem, em que todos sejam tratados por igual (e não segundo uma hierarquia) e onde a liberdade e a independência de cada um estejam asseguradas. Não “alinhar” na praxe não implica ser um “bicho-do-buraco”, nem nada parecido. Implica, isso sim, em não “alinhar” em práticas que nunca seriam toleradas num contexto quotidiano.