O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

01 outubro, 2005

A Praxe: Um Cancro no Seio da Universidade

É tempo de fazer evoluir a tradição. Um país que diz reger-se por princípios democráticos, com ambições como a igualdade, a liberdade, os direitos humanos, a honra ou o direito ao bom-nome, não pode tolerar uma irracionalidade como a “praxe” académica. Sim, isso mesmo: aquilo que todos nós, numa espécie de condescendência social, consideramos ser uma mera “brincadeira” da “malta nova”.

O que é uma faculdade? Comummente, a faculdade é o espaço onde os alunos aperfeiçoam os conhecimentos até aí adquiridos e se preparam para exercer uma actividade profissional. Só? Não. Sendo uma entidade com o objectivo de educar tem, desde logo, a responsabilidade de ir mais além do que a simples transmissão de conhecimentos e contribuir para a formação cívica e moral dos alunos, para que estes se definam como adultos conscientes e enquadrados na sociedade.

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Contudo, não é isso que se verifica na prática, uma vez que a praxe nas faculdades é a própria negação disso mesmo. Os ditos “doutores” (uma das designações para aqueles que praxam os alunos dos 1º ano, a quem chamam caloiros), que muitas vezes chegam a frequentar (ou nem isso) a faculdade tanto tempo que dava para tirar dois ou mais cursos, vestidos com os seus típicos trajes negros, submetem os novos alunos a um rol deveras criativo de abusos e humilhações em troca de uma suposta integração no grupo dos que terão “o direito” a praxar nos anos posteriores.

Note-se que a integração dos novos alunos é um dos argumentos dos praxistas - uma profunda falácia. A praxe obriga os alunos a integrarem-se num grupo predeterminado, tirando-lhes a capacidade de decidir quais as suas companhias. Como poderão os novos alunos sentirem-se integrados e criar novos laços de amizade, quando não há um ambiente propício ao convívio, mas sim um ambiente propício à submissão? Há sempre a “desculpa” de que a praxe é uma tradição e que por isso tem de ser continuada. Mas nem sempre a tradição, apenas por o ser, é algo positivo; relembre-se que as mulheres portuguesas, segundo a tradição, não tinham direito a escolher um marido, a trabalhar ou a votar. No entanto, estas tradições foram quebradas pois a sociedade, com o passar do tempo, acabou por concluir que estavam erradas. Ora, com a praxe este processo tem sido muito mais difícil já que tudo se passa dentro da faculdade, num ambiente restrito, para o qual muito contribuem os adultos que, aparentemente, acham “engraçado” e “tão lindo”, “os meninos” andarem molhados, esfregarem a cara em ovos, simularem actos sexuais e orgasmos, grunhirem, comerem relva ou rebolarem na lama. Por outro lado, alguns pais incentivam mesmo os filhos a participarem na praxe e a usarem o traje para que “não fiquem atrás dos outros”, exibindo a “fatiota” para parecerem “doutores”.

“Mas só vai à praxe quem quer!” Mais uma mentira. Então, por que é que “guardiães da tradição” esperam os caloiros à porta das salas de aula? E por que é que quem não “alinha” na praxe é apelidado de “anti-praxe” e intimidado com frases do género: “Se não fores à praxe vais ser excluído”?
Para os praxitas, a praxe serve também como uma “escola de vida”. Uma escola que, no fundo, leva a uma vida de excessos, infantilidades e submissões, que contribui para falta de personalidade e para o medo de dizer “não”.

Defendemos uma integração dos novos alunos baseada em redes de solidariedade e de camaradagem, em que todos sejam tratados por igual (e não segundo uma hierarquia) e onde a liberdade e a independência de cada um estejam asseguradas. Não “alinhar” na praxe não implica ser um “bicho-do-buraco”, nem nada parecido. Implica, isso sim, em não “alinhar” em práticas que nunca seriam toleradas num contexto quotidiano.

5 Comments:

Blogger Pedro Figueiredo said...

http://nao-a-praxe.blogspot.com/

11:05 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Domingo, Outubro 14, 2007
É tempo de praxe


Todos os anos por esta época as universidades portuguesas enchem-se de estudantes que fazem coisas ridículas sob orientação dos seus colegas mais velhos. Esta semana cruzei-me em Aveiro com um longa bicha de caloiros que vinham da ria acartando nas mãos, debaixo do sol, sacos plásticos cheios de lodo. Presumo que a intenção fosse levar aquela porcaria para a Universidade. Em Coimbra, ao pé da escadaria monumental, passei por um estudante com o traje académico que era escoltado ao caminhar por quatro colegas recém-chegados à capital da cultura universitária que o rodeavam de braços estendidos no ar agarrando a capa dele sobre a sua insigne cabeça para que esta não apanhasse sol de mais. Suponho que teria medo que o pequeno cérebro derretesse.
Chamam a isto a praxe, e a justificação dada para que os colegas mais novos se tenham de lhe submeter é a necessidade de “integração”. Só há integração para quem não fizer ondas e aceitar com humildade os tratos de polé. Os caloiros são mandados fazer figura de urso para se poderem integrar, com a promessa de que um dia também poderão ser superiores prepotentes e terão enfim o direito de mandar uma nova geração de inferiores (caloiros/lamas/lodos) fazer por sua vez figuras tristes. É a apologia da humilhação como estratégia pedagógica.
Dizem os praxistas que é bom como aprendizagem para a vida, como preparação para o mundo. Aprende-se assim a respeitar a hierarquia, preparam-se os jovens para um modelo de relações profissionais baseado não no respeito mútuo, mas nas pequeninas e mesquinhas maneiras quotidianas de lembrar quem é o superior. Um modelo onde pouco conta o mérito, onde as ideias novas ou diferentes são malvistas, no qual importante é saber lamber as botas de algum cacique. Aprende-se a obedecer sem questionar. Para que se perpetue uma cultura que promove o medo de ser o destravado da língua que comete a heresia de dizer que o rei vai nu. E que é saneado pela ousadia. A praxe é um reflexo do triste país que temos, portugalzinho no seu pior.

Publicada por João Paulo Esperança em 11:52 PM 0
in Hanoin Oin-Oin

4:15 da tarde  
Blogger J.Pierre Silva said...

Sugiro, entre outros artigos, leitura atenta de: http://notasemelodias.blogspot.com/2008/09/notas-sobre-praxes-e-praxe.html

10:01 da manhã  
Blogger Speed said...

Fui caloira e posso afirmar que esses foram sem duvida os melhores tempos da minha vida, hoje sendo doutora daria tudo para voltar a ser caloira apenas por mais um dia.

Praxe é integração, é sentimento, é amor pela faculdade é uma forma de vida, é uma oportunidade de voltar a ser crianças e uma preparação para o mundo do trabalho (em que tantas vezes teremos de engolir sapos).

Ao contrario do que tu dizes condenável são os comportamentos extremistas dos que querem proibir sem conhecimento necessário da causa, são esses que por vezes fazem figuras mais ridículas que muitos caloiros.

Tenho sinceramente muita pena de ti por não teres vivido a experiencia que eu e os meus colegas vivemos, foi simplesmente o ano mais incrível da minha vida, e acredita que não digo isto de ânimo leve.
Se toda a gente tivesse o sentido de grupo, o companheirismo e a amizade que une os castores da Faculdade de Economia do Porto certamente o mundo seria um pouco melhor.

10:00 da tarde  
Anonymous William said...

Speed, gostos são gostos, eu particularmente não percebo isso das praxes. Gostas de ser submissa e lamber as botas a um falso doutor e ainda por cima com um sorriso na cara!?

Meus parabéns és mais uma ovelha no rebanho. Quanto a esse tal "companheirismo" e "amizade" não quero e não precisamos. Igualdade, Liberdade e Respeito são palavras que o rebanho devia ouvir mais vezes. Nada pessoal, o mundo não melhora por que é impossível agradar gregos e troianos.

Afinal de contas se há quem goste de levar n* c*, também há quem goste de praxe.

Boa Crónica Luís Soares!

10:43 da manhã  

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