O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 setembro, 2006

Bolo de Chocolate à Moda de Bolonha

O novo ano lectivo que por estes dias se inicia traz consigo a adaptação dos planos de curso de várias licenciaturas à Declaração (ou Processo) de Bolonha. O objectivo principal desta declaração é criar um espaço europeu do ensino superior que seja capaz de competir internacionalmente. Que fique claro que não se trata de competitividade dentro do espaço europeu, mas sim, entre a Europa e o resto do mundo. Bolonha tenta, portanto, promover a mobilidade e a empregabilidade dos graduados, de forma a que o direito de livre circulação e estabelecimento dos cidadãos dentro do espaço europeu se torne mais fácil e, talvez, mais realista.

Na prática, a aplicação da Declaração de Bolonha traduz-se na redução da duração das licenciaturas de 4 para 3 anos, na maioria dos casos. Porém, dizer que Bolonha é apenas “fazer o curso em menos um ano” é simplesmente redutor. Esta redução terá de ser, certamente, acompanhada de uma reorganização das disciplinas (e seus conteúdos) para que as matérias leccionadas mantenham, ou melhorem, a qualidade das licenciaturas. Isto corresponde a dizer que a nova estrutura dos cursos deverá focar-se apenas naquilo que é relevante para o futuro dos alunos no mercado de trabalho.

Para que melhor se compreenda, nada como olharmos a receita de um bolo de chocolate, mas agora “à moda de Bolonha”. Se a receita original (licenciatura antiga) obriga que se usem 4 ovos, 300g de farinha, 250g de açúcar, 100g de chocolate em pó e uma colher de chá de fermento [aconselhamos a não tentarem isto em casa!] e nós reduzimos os ovos para 3 (licenciatura de Bolonha), teremos certamente um bolo de pior qualidade. A solução passa, claro está, por procurar introduzir um factor diferenciador, de forma a que a qualidade se mantenha (nem que seja alterando a quantidade de farinha ou açúcar, ou mesmo comprando um forno novo).

Com Bolonha, os alunos saem para o mercado de trabalho mais cedo, a despesa do Estado (à partida) diminuiu, procura-se desenvolver as competências que são realmente necessárias no contexto actual, nomeadamente as comportamentais que são fundamentais em qualquer área do saber e estão muito mal “tratadas” em Portugal. Este processo aposta também no desenvolvimento da multiculturalidade e no progresso da capacidade de aprendizagem em diferentes contextos sociais - o que é, sem dúvida, fundamental para a maioria das profissões actuais.

Mas, como afirmou Richard Hooker, “as mudanças nunca ocorrem sem inconvenientes, até mesmo do pior para o melhor.” Assim, e uma vez que a Declaração de Bolonha não é um tratado, mas sim, um compromisso político, está dependente das boas, ou más, decisões dos Governos de cada país. Por outro lado, podem surgir outros problemas que não são de menosprezar: os professores podem não estar preparados, nem se conseguirem adaptar, para uma nova forma de ensino, dado que muitos deles estão apenas habituados a “debitar” matéria e a fazer a sua avaliação apenas por exame final (que deixa de existir, passando a avaliação a ser continua); os alunos correm o risco, caso Bolonha não seja bem implementada, de terminar as suas licenciaturas pior preparados (com menos conhecimentos); e ainda, entre muitas outras dúvidas que pairam no ar, a possibilidade de se assistir a um certo “facilitismo”, ao qual já estamos habituados e de que devíamos estar “fartos”!

A Declaração de Bolonha parece-nos ser um passo positivo na uniformização do ensino superior a nível europeu, capaz de promover um ainda mais competitivo e, porventura, atractivo, como o americano. Agora, tudo irá depender da forma e da vontade de implementar esta Declaração por parte das universidades.