O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 julho, 2006

Autarquias com Poderes sobre o IRS dos seus Munícipes

No passado mês de Junho, António Costa, Ministro de Estado e da Administração Interna, apresentou a nova Lei das Finanças Locais. A principal novidade anunciada diz respeito à possibilidade de as autarquias poderem reduzir a taxa de IRS cobrada aos contribuintes, até um valor máximo de 3%. Assim, o financiamento das autarquias, via IRS, passará a ter um peso máximo de 5%, sendo que 2% correspondem a uma parcela fixa. Ficará a cargo de cada autarquia definir anualmente a parte desses 3% que será restituída aos seus munícipes. No entanto, a lei terá um primeiro ano de transição (2007) em que ainda não será possível aos municípios utilizar esse mecanismo, ficando assim com a totalidade dos 5%.

A intenção do Governo ao apresentar esta proposta de lei é a de diminuir a despovoação dos municípios do interior do país, na medida em que se espera que haja uma deslocação de pessoas para os locais onde sejam “obrigadas” a pagar menos IRS. «Se o município fixar em zero a sua participação, isso significa que nesse município a taxa de IRS é três pontos abaixo da prevista na lei», explicou o Ministro. De qualquer forma, uma redução dos impostos é sempre “bem-vinda”!

Mas conseguirá esta lei atingir os seus objectivos? Esta medida aumenta a responsabilidade das Câmaras perante os munícipes (diminuindo, por outro lado, a pressão sobre o Governo), uma vez que estes tenderão a reclamar uma taxa de IRS mais baixa – não será de menosprezar a possibilidade deste aspecto se vir a tornar uma arma de arremesso político. Além do mais, cremos que o objectivo de aumentar a população residente no interior fracassará se não for acompanhado de (muitas) outras medidas, das quais salientamos as seguintes: oportunidades de emprego, comércio e serviços desenvolvidos, melhores condições de vida, educação e hospitais de qualidade. Estes factores têm de ser seriamente ponderados. Estará alguém disposto a mudar-se do Porto para Mirandela, sabendo que perderá o bom emprego que tem, o conforto e a comodidade do seu lar e as melhores condições para o desenvolvimento dos seus filhos, em troca de um “desconto” de 3% (no máximo) de IRS? Pensamos que não. Não há dúvida de que a intenção do Governo é positiva, mas, na verdade, acaba por ser um género de propaganda política mais elaborada. Isto porque (1) a probabilidade de se verificar uma diminuição da tendência de perda de população por parte das autarquias mais periféricas do país é muito baixa, (2) o Governo, como dissemos, consegue transferir parte das reclamações dos contribuintes para as autarquias, (3) os municípios do interior, ao não colectarem a totalidade dos 5% do IRS a que legalmente podem ter direito, perderão capacidade financeira para resolverem os seus problemas e debilidades locais e (4) as autarquias do litoral, ou as mais desenvolvidas, tenderão a cobrar a taxa máxima, usufruindo de maiores fundos, sabendo que os munícipes dificilmente mudarão de residência por essa razão.

No fundo, esta lei acabará por não ter grandes efeitos práticos, servindo apenas para dificultar a capacidade dos contribuintes “negociarem” a taxa de IRS com as autoridades (a partir de agora terão de reclamar descidas de impostos a duas entidades diferentes). Uma forma de colmatar a ineficácia da lei no que se refere aos pontos (3) e (4) seria obrigar os contribuintes das regiões menos populosas a pagarem apenas 2% de IRS, sendo que os restantes 3% seriam retirados do grande “bolo” de contribuições dos municípios mais povoados - note-se que, em termos absolutos, o montante colectado nos municípios mais povoados é muito superior ao dos menos povoados, pelo que as autarquias dos primeiros apenas abdicariam de uma pequena parte das suas colectas.