O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

01 março, 2006

Das Caricaturas às Incongruências

As manifestações geradas em torno das caricaturas do profeta Maomé merecem, indiscutivelmente, o nosso repúdio. Podemos até aceitar que tais imagens possam ter ferido a sensibilidade de muitos muçulmanos e concordamos que os seus autores possam não ser pessoas de muito bom senso. Todavia, as reacções a que temos vindo a assistir são por demais excessivas e ultrapassam o patamar da racionalidade.
Os ataques de vandalismo que têm vindo a sofrer múltiplas embaixadas de países europeus em países árabes, o incendiar e pisar de bandeiras europeias, o criar, propositadamente, uma bandeira dinamarquesa gigante para que os transeuntes esfreguem os seus pés (e sugiram às crianças o mesmo), e até o aproveitamento politico da situação por parte do Irão, mostram o fundamentalismo e o radicalismo, que não podem ter justificação, enraizados em muitas sociedades muçulmanas.
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Alguém imagina um europeu católico a "urrar" em frente a uma embaixada árabe, já em chamas, em circunstâncias idênticas? Pelos vistos, para o Sr. Freitas esta é uma possibilidade. Ou então, das duas uma, ou acha que os fundamentalistas são uns "coitadinhos" ou desceu ao nível do politicamente do correcto. Qualquer uma das hipóteses é de lamentar. Em vez de defender os princípios e valores nacionais e europeus, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, em representação de todos nós, limitou-se a "lamber os pés" aos extremistas muçulmanos.
E deixemo-nos de hipocrisias: como podem eles repudiar meros desenhos de um jornal quando, por outro lado, sabemos, por imagens e vídeos que nos chegam via internet (com nenhuma divulgação na comunicação social), que crianças vêm os seus braços esmagados por camiões - só por terem roubado um pão, que mulheres são apedrejadas até à morte e que homens vêm os seus membros amputados como pena de um crime? O facto de estas imagens não chegarem à opinião pública ocidental, distorce a nossa visão dos valores que estas sociedades ainda defendem (na sua maioria). Há um passo cultural a ser dado, não pelos ocidentais, mas sim, pelos árabes. Nós temos um papel nessa mudança mas isso não pode significar a abdicação daquilo que vimos construindo há centenas de anos.
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Da mesma forma, e num contexto algo diferente, o mesmo acontece(u) com a opinião pública que condenou a guerra no Iraque e o objectivo de derrubar o regime de Saddam Hussein (independentemente de existirem, ou não, armas de destruição massiça).
Quase nenhuma das atrocidades cometidas pelo seu regime eram divulgadas nos media: assassínios em massa; tortura macabra de criminosos; assassínio de mulheres em estádios de futebol; detonação de pessoas, encapuçadas, amarradas e artilhadas com explosivos por todo o corpo ou o depósito de corpos em valas comuns. Mais recentemente, as execuções (decapitações) de cidadãos ocidentais raptados por terroristas árabes foram apenas referidas nos media e nada mais foi visto ou comentado.
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No entanto, o conhecimento dessas imagens poderia ser o ponto de viragem da opinião pública, que não encontraria argumentos, nem ficaria indiferente, por exemplo, a uma lenta decapitação, com recurso a uma faca, de um lado ao outro do pescoço, como se de uma galinha se tratasse.
Isto é delicado de se ler (ver) mas é fundamental que se saiba que acontece, hoje em dia, nos bastidores da acção. Porque caímos no erro de ver os problemas apenas por uma perspectiva, como está a ser, em parte, o das caricaturas.
Enquanto o fanatismo religioso prosperar, as esperanças para uma convivência saudável entre os povos é uma miragem.