O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

19 dezembro, 2005

125,2%

Sabemos hoje que o endividamento das famílias portuguesas é um grave problema desta era, fruto de um processo contínuo e tendencialmente crescente. Não é de todo errado associar este fenómeno ao veloz crescimento e abertura do mercado português depois do 25 de Abril. Essa mudança radical afectou a maneira como as pessoas encaram o endividamento. Antigamente, este era visto como “vergonhoso” e a poupança era fomentada por todos. Hoje em dia, essa crença desvaneceu-se e todos se contentam com a ostentação de bens e serviços sem pensar se terão capacidade financeira para assegurar o seu reembolso no futuro.

Não obstante a má gestão, o desemprego, o divórcio ou as taxas de juro que são, de facto, factores de endividamento, atribuir, como muitos demagogicamente insistem em fazer, esse papel à banca, é desresponsabilizar as pessoas – seres com direitos e deveres – hoje inseridas numa sociedade democrática onde a liberdade é proclamada como um princípio basilar.
Somos levados a concluir que existe um outro factor, até agora pouco considerado, que é a mentalidade da sociedade portuguesa. Isto, porque é absolutamente errado fazer um estudo sobre os factores que levam uma sociedade a recorrer ao crédito, sem ter em conta a caracterização dessa mesma sociedade: padrões sociais, culturais e éticos, valores, ideais, formação académica/profissional, cívica e moral.
A liberalização dos mercados financeiros, o aumento do rendimento das famílias, a estabilidade no emprego, a descida das taxas de juro e a modernização da oferta comercial foram incentivos para o recurso ao crédito. Considerar estas causas sem lhes associar um modelo social é um enorme equívoco. Uma sociedade convive com um mundo exterior, mas rege-se por um mundo interior, que lhe é intrínseco.

Neste sentido, temos que ter em conta que os particulares não são, de qualquer forma, obrigados, na verdadeira acepção da palavra, a consumir de forma excessiva, isto é, mais do que aquilo que o seu rendimento lhes permite. São os consumidores que devem ponderar, da melhor forma possível, os benefícios e malefícios do recurso ao crédito. Certos fundamentos microeconómicos assentam no princípio da monoticidade positiva, segundo o qual qualquer consumidor está disposto, fruto de um desejo interior, a consumidor cada vez mais um ou mais bens e serviços. Mas, do outro lado da balança, também devemos ter em conta a responsabilidade de cada indivíduo/consumidor como algo fundamental para que as escolhas de consumo sejam feitas da forma mais racional possível.
Cada consumidor deve, por outro lado, ter em conta que factores como o desemprego ou as taxas de juro estão inevitavelmente sujeitas a variações, pelo que o recurso à poupança deverá ser fulcral para uma benéfica solubilidade e estabilidade financeira do agregado familiar.
Num momento em que se estima que a taxa de endividamento das famílias portuguesas ronde os 125,2% do seu rendimento, entendemos que não podemos manter esta sociedade de consumidores hiperactivos, imaturos, irresponsáveis e continuamente desresponsabilizados.