O Bom Senso no Terras do Ave

* Aqui encontra os artigos publicados no jornal vilacondense, Terras do Ave, escritos pelos autores d' O Bom Senso: Luís Soares e Nuno Miguel Santos*

Os textos são aqui publicados duas semanas após a sua publicação no jornal.

O Bom Senso

Jornal Terras do Ave

Publicado no Jornal de

15 maio, 2007

História de uma Vida

São dez horas da noite e chego agora a casa depois de trabalhar 14 horas seguidas. Estou cansado, com uma terrível dor de cabeça, e acho até que já perdi a fome. A minha mulher está ensonada e foi-se deitar. Fui ao quarto do meu filho para lhe dar um beijo de boa noite e ele já estava a dormir. Tenho medo de me tornar um pai ausente. Trabalho para o sustento da família e sinto que, com o trabalho, contribuo para que ela se desmorone.

Porquê? A verdade é que quase tenho que trabalhar o dobro para compensar a metade do salário que pago de impostos (42% de IRS + 11%SS), já para não falar nos que a empresa paga por mim. Este ano já paguei centenas de euros de impostos que, segundo dizem, é para serem redistribuídos. Redistribuídos? – pergunto eu.

Nas alturas de mais trabalho durmo menos de 5 horas por dia, não sei o que são fins-de-semana, e nem feriados sequer gozo. E todos os dias vão para a televisão os senhores dos sindicatos e dos partidos de esquerda defender o proletariado, esses todos que andam aí a sugar subsídios, reformas chorudas e abonos do “tempo da velha senhora”. Eu tenho uma empresa média, emprego dezenas de pessoas, pago salários a todas sem atrasos, pago-lhes SS, IRC, taxas disto e daquilo, e ninguém quer saber se estou bem ou mal, até ao dia em que o negócio dá para o torto e os sindicatos, a televisão e os advogados me vêm por a corda ao pescoço por causa dos postos de trabalho que se vão perder! Se há redistribuição, eu devo estar fora dessa lista, porque do meu lado só sai e não entra nada que tenha a ver com Estado.

Nas instituições públicas anda tudo à boa vida, com emprego garantido e regalias de todos os tipos. E ainda falam de perda de direitos adquiridos?

Se eu num ano ganhar 100.000 não adquiro o direito de repetir o mesmo no ano seguinte sem me esforçar, juntamente com os colaboradores da minha empresa. E os empregados da minha empresa não adquirem direito algum, a não ser o de trabalharem com qualidade para merecerem o rendimento mensal.

Falam-nos de redistribuição, mas a verdade é que é tudo uma fantochada. A Casa da Música arrebenta com o orçamento. E eu pago. Empresas públicas despedem administradores com elevadas indemnizações. E eu pago. As Câmaras estão endividadas. E eu pago os juros. Os deputados vão para férias mais cedo. E eu pago o transporte. Aliás, a Assembleia tem o dobro dos deputados necessários. E eu pago. Eles querem brincar aos países grandes e ricos com a OTA. E eu pago. A educação é uma desgraça, que me obriga a meter o filho numa escola privada. E eu pago a dobrar. Tenho que ser operado e nove mil miseráveis estão à minha frente. E pago. E ainda pago outra vez – porque acabo por ir ao privado.

É esta redistribuição de que falam? Talvez esteja no país errado.